Mulheres Guerreiras

Pela primeira vez na história do Exército Brasileiro, as mulheres serão oficiais combatentes, pegarão em armas, poderão chegar ao posto mais alto da instituição, o de general, e até assumir o comando da Força Militar. Elas eram responsáveis pela parte de apoio nas áreas administrativas, de saúde e de ensino, mas, agora, estão inseridas em funções que, até então, eram exclusivas para homens. A primeira turma mista de cadetes passou, no mês de fevereiro do ano passado, pelo Portão da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, com um total de 440 novos alunos, entre eles, 40 mulheres.

Uma missão árdua, já que cada uma disputou a vaga com outras 193 candidatas. A presença feminina nas Forças Armadas brasileiras é cada vez maior. Elas já são 30.516 no Exército, Marinha e Aeronáutica, ou 12% do efetivo total militar do país. No final do Curso Básico, as cadetes poderão escolher seguir nas áreas de Intendência e Material Bélico e, assim, trilhar sua carreira.

A Marinha foi a primeira das três forças a aceitar o ingresso feminino, em 1980, ano que a lei permitiu mulheres dentro dessa instituição. Anteriormente, elas faziam parte do corpo auxiliar, com participação restrita ao serviço em terra. Entre 1995 e 1996, com a promulgação de novas leis que visavam a regulamentação da carreira militar, o acesso das oficiais foi ampliado aos corpos de saúde e engenharia. Já a Força Aérea Brasileira é a pioneira em permitir mulheres para atuar na linha de frente, e não apenas em áreas subsidiárias, pois, em 1995, já era possível a presença delas no Quadro de Oficiais Intendentes. O Exército recebe o público feminino desde a década de 90 nas áreas de comunicação, saúde e engenharia e, agora, se junta às demais forças tendo a parte de combate também composta por mulheres.

Cadete Valquíria, integrante da primeira turma mista da Aman

Uma delas é a cadete Valquíria Gomes, de 20 anos, integrante da primeira turma mista da Aman. Durante toda a vida estudou no Colégio Militar de Brasília e, assim que saiu, fez um curso voltado para a Escola Preparatória de cadetes do Exército (EsPCEx). “Eu não tinha vontade de entrar desde pequena, mas também não me via em nenhuma faculdade. Quando soube da oportunidade de estar aqui, só consegui me enxergar na Aman”, contou ela.

Embora o nervosismo tenha feito parte de toda a preparação, alcançar o que desejou recompensa tudo. “É muito gratificante fazer parte dessa primeira turma, principalmente quando temos que nos desafiar todos os dias, e isso me anima cada vez mais. No início, a gente não conhece nada, fica com medo e receio, mas esse desenvolvimento é muito gradual e, aos poucos, fui me adaptando e foi dando tudo certo”, completou Valquíria.

Para receber as novas integrantes da academia, a instituição realizou uma série de mudanças estruturais, como a construção da ala feminina. Em relação aos exercícios inseridos na rotina dos cadetes, foram feitos estudos para analisar quais seriam os limites das mulheres durante as atividades físicas. O coronel Gomes da Silva, chefe da comunicação da Aman, esclareceu que esse estudo esteve vinculado ao que o corpo feminino aguenta.

“Tudo está relacionado à resistência e a esforços intensos e prolongados. Durante as atividades o desempenho é similar, mas, em combate, há restrição de alimentos, muito tempo sob estresse, esforços com pesos e mais outros pontos que geram efeitos diferente nas mulheres”, explicou Gomes da Silva.

Integrante da primeira turma de guarda-marinhas feminino da Armada embarcada

Segundo o tenente-coronel Bergamaschi, responsável por todo o Curso Básico, as mulheres mostraram evolução nesse início. “Elas fazem exatamente tudo o que os homens fazem, respeitando suas especificidades biológicas, mas, em relação às ativida-des propostas, surpreendem cada vez mais”, elogiou. “A palavra de ordem aqui é isonomia, tudo exigido é feito no mesmo nível. Principalmente na área operacional, elas fizeram a mesma coisa que os cadetes, foram para montanha e cumpriram todas as exigências. Quatro dos dez melhores alunos da classe são mulheres”, contou.

Responsável pela turma iniciante, a primeira-tenente Maria Cristina Andrade também ressaltou o avanço dos alunos em todos os aspectos. “Conseguimos ver uma evolução de todos eles, na maturidade técnica, na disciplina, no desenvolvimento do dia a dia e, também, no trato com eles mesmos, com os superiores e com os cadetes dos outros anos. Falando apenas delas, a evolução na parte física é bem notória e vemos que, proporcionalmente, as dificuldades são as mesmas”.

O cadete Carvalho, de 20 anos, companheiro de classe de Valquíria, afirmou que lida de maneira igualitária com a turma. “Para mim, é uma relação normal, como era na escola. A única coisa que muda é o profissionalismo exigido aqui, mas a relação homem e mulher é cada dia melhor. Se precisamos uns dos outros o apoio é mútuo”.

Preparação teórica e física

Cadete Valquíria (esquerda), primeira-tenente Maria Cristina e o cadete Carvalho

De acordo com o tenente Berga-maschi, em relação ao processo de entrada, o foco na parte teórica é primordial no período que antecede a prova. “Como é um concurso concorrido, o candidato precisa de bastante tempo para estudar. Depois de ver que foi bem na prova, é necessário treinar para o teste físico. Após ser aprovado, ainda é necessária uma preparação específica para levar o dia a dia na escola. Quem não tinha um passado ativo sente mais dificuldade e precisa de maior preparo”, afirmou o tenente.

Segundo dados da Aman, em relação ao último processo, apenas 18,55% dos alunos eram oriundos de colégio militar. Vindos de escolas particulares, foram 43,21% e, das públicas, 38,24%.Os requisitos globais para ser um militar de carreira são: ingresso mediante concurso; altura mínima masculina de 1,60 m e feminina de 1,55 m; idade de 17 a 22 anos e, para oficiais, é preciso ser brasileiro nato. Já para praças, pode também ser naturalizado.

Militares durante o ensaio para a formatura de 2018