Arte da capa por Mariana Bittencourt
Matéria por Bruna Rezende Leite
Por anos, a carreira da mulher que trabalha fora de casa foi marcada pela interrupção ao se tornar mãe. Fosse pela pausa do trabalho ou pela suspensão do aleitamento exclusivo aos seus bebês, o momento pedia decisões difíceis. E a chegada da pandemia no país não tornou as coisas mais fáceis, pois apesar de parecer que estar em casa resolve o problema para as mães que queiram amamentar os filhos recém-nascidos, o home office traz novas questões e desafios ao debate. Os horários da mãe são mais irregulares e, apesar disso, a produtividade é mais alta.
Quem tem a opção de permanecer em trabalho remoto pode continuar amamentando e seguir a recomendação do Ministério da Saúde de oferecer o leite materno com exclusividade até os seis meses de vida. Entretanto, essa flexibilidade gerada pela pandemia traz consigo as dificuldades de distinção entre tempo e local de trabalho e tempo e local de cuidado familiar. Se por um lado é socialmente e corporativamente aceitável sacrificar o tempo dos cuidados familiares em prol do trabalho, o mesmo não parece valer para o uso do tempo de trabalho com os cuidados familiares. Ou seja, o “office” pode adentrar o “home”, mas o “home” não pode adentrar o “office”.
“Para mim, amamentar é empoderamento”, Emily de Azevedo, mãe de Bernardo
A publicitária Emily de Azevedo deu à luz durante a pandemia e, em meio aos diversos desafios que o home office trouxe, foi demitida por atender à demanda da amamentação. Funcionária de uma empresa de marketing, Emily relata sua experiência de ter interrompido o trabalho para dar de mamar ao filho Bernardo de quatro meses, mesmo após bater todos os recordes de vendas da empresa. Apesar de ter encarado o desemprego, uma consequência que muitas mulheres enfrentam ao optarem pela atenção e cuidados dos seus bebês, ela destaca a importância da amamentação para a criação: “Eu me sinto muito forte por nutrir o meu filho, por poder transformar a saúde dele. Para mim, amamentar é o meu momento de conexão com ele”.
Hoje, no Brasil, a gestante tem direito a 120 dias de licença maternidade, considerados suficientes para cumprir com alguns cuidados com o recém-nascido. Entretanto, o mais recomendado pelo próprio Ministério da Saúde é que o bebê tenha, até os seis meses de idade, aleitamento em livre demanda e como alimentação exclusiva, de modo a fortalecer seu sistema imunológico. Contudo, o tempo previsto em lei, que já não atende a recomendação da mais alta instância de saúde do país, é reduzido ainda mais se considerar o período de transição realizado pela mãe, ao adaptar seus filhos ao leite industrializado. Ou seja, a amamentação exclusiva de bebês no Brasil não chega aos quatro meses de idade.
Nascer na pandemia
Bruna Bezerra, estudante de Tecnologia em Logística, compartilha da realidade de diversas mulheres que passaram pelo período de gestação durante a pandemia. Ela foi uma das mães que descobriu estar com o vírus da Covid-19 enquanto ainda se encontrava no quarto da maternidade, poucos dias após a chegada da doença no Brasil. Devido ao alto risco de transmissão, Bruna foi imediatamente afastada do filho Pedro e, de quarentena nos primeiros 15 dias de vida de seu bebê, só se aproximava para amamentá-lo.
“Foi um dos momentos mais difíceis para mim, porque eu não podia ficar perto do meu filho, sentir o cheirinho dele, ficar com ele no colo. Tudo o que uma mãe quer quando seu filho nasce é ficar junto dele e eu não podia”, lembra Bruna.
O grupo de pesquisa e extensão da universidade Estácio de Sá, que promove o aleitamento materno por meio do projeto “Ama(r)mentar”, esclarece que não há a possibilidade de transmissão do vírus para o bebê através da amamentação, contudo o grupo alerta que o vírus ainda pode ser transmitido por meio da respiração, exigindo o afastamento. A médica pediatra Carmem Elias, especialista em neonatalogia e coordenadora do projeto, ressalta: “Os protocolos são bem claros: a mulher com suspeita ou caso confirmado vai ter que passar por um afastamento e vai precisar de uma rede de apoio para cuidar dessa criança, dar colo, trocar as fraldas, dar banho, para que após os 14 dias de doença, a mãe possa voltar ao convívio com o bebê e possamos trabalhar a qualidade desse vínculo”.
O projeto utiliza a rede Instagram para democratizar o conhecimento sobre o aleitamento materno, tirar dúvidas e ampliar a troca de experiências entre gestantes, pais e avós. A página tem como objetivo final ampliar o percentual de amamentação de crianças menores de dois anos, reduzindo em até 13% o índice de mortalidade de crianças de até 5 anos, além de atuar como tratamento preventivo dos cânceres de mama, colo uterino, ovário e endométrio. Além disso, Elias ressalta a importância do aleitamento para o desenvolvimento cognitivo do bebê: “Cesar Victora, primeiro pesquisador brasileiro a receber o Prêmio Internacional Canadá Gairdner, foi convidado ao prêmio Nobel devido aos seus trabalhos. Ele demonstra para o mundo inteiro a influência do aleitamento materno para o cognitivo, em como a gente melhora o padrão social do bebê que simplesmente teve o aleitamento como base da nutrição”.
Mas e as mães que têm dificuldade para amamentar?
Em um estudo publicado na Revista CEFAC (Speech, Language, Hearing Sciences and Education Journal), a insegurança é o principal desafio enfrentado por mães de recém-nascidos, quanto às dificuldades na amamentação. No artigo, dúvidas quanto a manutenção das mamadas e a falta de leite também aparecem em destaque. Segundo Carmem Elias, as causas apontadas para essas dificuldades estão intrinsicamente ligadas. Para ela, os maiores desafios encontram-se no campo social e psicológico das novas mães.
“A mãe sofre muita cobrança e se culpa demais. Se ela não amamenta, ela assume essa culpa. Mas se as dificuldades forem trabalhadas e se ela se sentir segura, ela vai conseguir
amamentar. É difícil sim. Ela está num período pós-parto; antes tinha o bebê em seu útero e agora que ele nasceu, ela passa a ter a responsabilidade de ser mãe. A mulher não é mãe do dia para a noite só porque expeliu um ser do seu interior. Tem que ter um preparo, tem que ter um amadurecimento”, explica a pediatra.
Para Emily, a carga social colocada sob os ombros das mães também influencia nesse processo. Em sua análise, a reprodução da ideia de que a mãe já nasce com um manual de instruções, somada à solidão no cuidado com a criança nos primeiros meses de vida, são fruto do machismo e gera um desgaste profundo no psicológico dessas mulheres que se veem mães já com altas expectativas. Ela conta: “Aconteceram situações de comentarem que o Bernardo me suga demais e por isso eu fico cansada. As pessoas acreditam que nós ficamos muito cansadas por amamentar, quando na verdade amamentar não cansa. O que cansa é carregar um bebê o dia inteiro e não receber ajuda para trocar uma fralda.”
Excelente matéria de caráter abrange e esclarecedor.
Parabéns pela abordagem do tema.
Assunto muito interessante e importante nos dias de hoje, adorei a matéria!!
Tema muito bem abordado! Parabéns pela matéria!!