Arte da capa por Marco Serra
Por Bruna Rezende Leite e Júlia Cruz
Todas as segundas-feiras, Rosane Fabrino já tem compromisso marcado. Para ela, o dia em que ajuda no mercadinho solidário e distribui os alimentos da horta comunitária na Parada São Jorge, é sagrado e a dedicação é total. O projeto do qual Rosane participa começou a ser implementado no quintal da casa da idealizadora do coletivo Mulheres da Parada, Letícia da Hora. O objetivo é atender às famílias da Parada São Jorge com produtos nutritivos e orgânicos, a fim de combater a insegurança alimentar na região, agravada pela crise causada pela pandemia.
“Tem pessoas que não tem auxílio, não tem trabalho e precisam muito. Eu peço a Deus para que a gente possa estar sempre ajudando, porque a felicidade delas de ter acesso ao alimento também é a nossa de poder contribuir”, conta Rosane.
A iniciativa conta com a ajuda da sociedade civil e de parcerias com outros programas de agroecologia, como a agrofloresta do Cocotá e o projeto Quiama, do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Além disso, também recebe o apoio da Raiz Forte Plantas, que destina mudas e sementes para a continuidade do projeto. Com o intuito de combater a desnutrição, são cultivadas e colhidas na horta plantas alimentícias não convencionais, conhecidas como PANCs, a exemplo da moringa, rica em vitaminas A e C; e do ora-pro-nóbis, potente e concentrada fonte de proteínas.
Outras espécies igualmente nutritivas e que podem crescer espontaneamente nos solos e serem facilmente plantadas em casa também são priorizadas pelo programa. A intenção é dar visibilidade à alimentos de fácil acesso e alto valor nutritivo, verdadeiros banquetes de vitaminas, proteínas, antioxidantes entre outros benefícios à saúde, frequentemente ignorados ou descartados por falta de informação.
Uma das apoiadoras, a farmacêutica Bruna Barbosa, conta: “Eu sempre quis que as hortas comunitárias fossem uma realidade na minha cidade. As hortas Comunitárias são uma ótima alternativa para dar funcionalidade a terrenos baldios que acabam ,muitas vezes, virando depósito de lixo urbano. Além do ganho individual e coletivo, proporcionam benefícios em diversas proporções, induzindo a organização comunitária, aproximando as pessoas da natureza e promovendo a educação ambiental”.
A médio prazo, o objetivo do projeto é expandir a quantidade de hortas nos quintais de famílias que passam por insegurança alimentar. Assim, poderão cultivar seu próprio alimento que, na maioria das vezes, ainda tem propriedades naturalmente medicinais. Junto a isso, a parceria do coletivo com a IFRJ, campus São Gonçalo, procura oferecer oficinas e cursos práticos sobre cosméticos naturais com eficácia medicinal, os cosmecêuticos.
As formas de apresentação são diversas: podem ser xaropes, pomadas, pastas, óleos essenciais e são feitos à base de produtos naturais plantados nas hortas. A pesquisadora e professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro, mestre em Bioquímica de Metabolismo e Energética e doutora em Química Orgânica dos produtos naturais, Carmelita Gomes, comenta o potencial da parceria: “Eu trabalho no campus São Gonçalo com alunos do curso técnico de Química, cujo um dos objetivos é promover a educação ambiental. Para o nosso trabalho prático é riquíssimo podermos estudar as plantas ainda frescas, retiradas diretamente das hortas”.
Investimento a longo prazo
Em março de 2019, a professora iniciou o projeto Quiama. Usando um espaço subutilizado do Instituto, Carmelita reuniu alunos para construir um horto agroflorestal, baseado nos princípios da agroecologia, como a segurança alimentar, o relacionamento com o cultivo e os benefícios para o ser humano e o meio ambiente.
Nesse contexto, são oficinas, minicursos e workshops com o intuito de expandir os conhecimentos sobre educação alimentar e ambiental. Os alunos envolvidos cuidam da horta, pesquisam sobre fitoterapia – o estudo de plantas medicinais e suas aplicações – e trabalham no laboratório maneiras de transformar a colheita em medicamentos.
Os participantes também aprendem que uma alimentação saudável não é necessariamente mais cara, já que plantas que podem ser cultivadas em casa tem valor nutritivo equivalente a alimentos com altos preços no mercado. Segundo a Dra. Carmelita, a ora-pro-nóbis, por exemplo, aclamada por muitos como o “super alimento”, é uma PANC antioxidante, rica em fibras, cálcio, ferro e, pelo alto teor de proteína, pode ser uma opção para substituir a carne, quando preparada da maneira correta.
Apoio social e responsabilidade ambiental
Cada nova horta introduzida em um quintal da Parada São Jorge e novas mudas plantadas no horto do IFRJ, sob o sistema agroflorestal, são contribuições importantes município em direção ao cumprimento de parte do plano de ações e metas elencadas na Agenda 2030 da ONU, um planejamento global para o desenvolvimento sustentável de todos os povos e nações. Assim, esses projetos estão diretamente ligados a dois, dos 17 objetivos listados na Agenda: o Combate à Fome e Agricultura Sustentável, bem como a Ação Contra a Mudança Global do Clima.
O sistema de agrofloresta não se restringe a um público local e reduzido, nem a benefícios em curto prazo. As condições favoráveis desse tipo de iniciativa podem ampliar a atuação dessas vantagens para toda a população no decorrer dos anos, promovendo o reflorestamento e a biodiversidade, com relevante impacto na melhoria da situação climática do planeta.
Mas, para quem implementa esse sistema no próprio terreno, os resultados são breves e vão além da própria alimentação. De modo geral, o Sistema Agroflorestal (SAF) promove a redução da exposição a raios UV diretamente sobre a terra; reduz a compactação e a erosão do solo, causadas pelo impacto direto da chuva; e diminui o efeito erosivo do vento, culminando em um barramento natural contra deslizamentos.
Esforço premiado
Em junho de 2021, o movimento Mulheres da Parada recebeu o Prêmio Sankofa de Responsabilidade Social. A premiação foi criada pela ONG Afrotribo em reconhecimento do trabalho de projetos que se destacaram durante a pandemia, no atendimento e apoio `a pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social.
“Neste momento em que o caos se instala, quando o trabalho se torna escasso e o povo negro e periférico é, mais uma vez, o mais atingido, rememoramos todas as nossas lutas. Por isso o nosso prêmio tem Sankofa como símbolo. Ele é o pássaro que segue em frente, mas sempre olhando para trás, entendendo que o passado constrói o futuro. Aos homens e mulheres que fazem e que fizeram a diferença em nossos territórios, o Sankofa é apenas um símbolo da nossa gratidão e da força do nosso aquilombamento. Seguimos juntos, construindo pontes e sem soltar a mão de ninguém”, declarou a presidente da ONG, Paula Tanga.
Além da horta comunitária, o movimento Mulheres da Parada vem marcando presença desde o começo de 2020, na vida da população gonçalence com os projetos Mercadinho Solidário e Donas da Parada. O primeiro, busca oferecer alimentos gratuitamente à população local que ficou desempregada durante a pandemia, permitindo a escolha do produto mais essencial naquele momento. Já o Donas da Parada, oferece oficinas e workshops que auxiliam homens e mulheres a se recolocarem no mercado de trabalho, garantindo uma fonte de renda e resgatando sua dignidade.
Para a apoiadora do projeto Laísa Mangelli, “é possível plantar e comer sem ter um mestrado na área. Basta ter espaço, disposição e vontade. O cultivo de alimentos foi a primeira revolução do homem moderno, mas que se perdeu com comodities e lucro. Com o projeto, nós garantimos a soberania alimentar, sabendo o que estamos plantando e o que estamos colocando em nosso prato”.
Muito legal o projeto e essa reportagem!