Arte da capa por Mariana Bittencourt
Por Júlia Cruz
Ano 1974 – A 70 metros acima do mar, duas capitais se encontram no vão central. De um lado, a cidade-estado da Guanabara, do outro, a capital do Estado do Rio de Janeiro, Niterói. A ligação: Ponte Presidente Costa e Silva, mais popularmente conhecida como Rio-Niterói.
A história do estado fluminense passou por muitas fases. No período imperial, iniciado no ano de 1822, a cidade do Rio de Janeiro transformou-se na capital do império brasileiro. Em 1834, o status da cidade do Rio foi elevado a Município Neutro e o título de capital da província transfere-se para a recém-criada cidade de Niterói. Com a Proclamação da República, em 1889, o Município Neutro virou Distrito Federal, ao mesmo tempo em que a então Província do Rio de Janeiro se tornava um estado.
Em 1956, o então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, mudou mais uma vez o rumo dessa história quando anunciou a construção de Brasília, o novo Distrito Federal. Com a novidade, a cidade do Rio de Janeiro se transformara no Estado da Guanabara, a primeira e única cidade-estado do Brasil. A doutora em história Clarissa Ramos analisa que a decisão de tornar o Rio de Janeiro uma cidade-estado mostrava a relevância do local para o cenário político nacional e, uma fusão entre os Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro na década de 50, iria rebaixar a importância da cidade.
Contudo, ainda faltava uma peça importante no cenário do Estado da Guanabara, uma ligação direta com Niterói. Até então, a conexão entre as duas capitais era realizada por um trajeto de balsa ou contornando o município de Magé, por meio das BRs 116 e 493. Percursos esses até duas horas mais demorados para a população.
Durante o império, já havia o desejo de interligar Rio de Janeiro e Niterói por meio da Baía de Guanabara. Em 1875, D. Pedro II autorizou a criação de um projeto de túnel ferroviário submarino para a passagem, porém foi interrompido por falta de verba. O elo só se concretizou quase um século depois com a construção da ponte.
Ponte em construção
O regime militar (1964-1985) investiu em grandiosas obras de infraestrutura, como as Usinas Nucleares de Angra dos Reis e a Hidrelétrica de Itaipu, apelidadas pela imprensa da época de “obras faraônicas”. Dentre as quais, também estava a Ponte Rio-Niterói. O ambicioso projeto de engenharia tornou-se a maior ponte do hemisfério Sul, com 13.290 metros de extensão.
O processo de edificação começou em 1969, durante o mandato do presidente Artur da Costa e Silva, daí o nome oficial Ponte Presidente Costa e Silva. Contudo, a cerimônia simbólica de início das obras, ocorreu no ano anterior, em novembro de 1968, com as presenças ilustres da Rainha do Reino Unido, Elizabeth II e de seu marido, o Príncipe Philip. Os dois visitaram a maquete da Ponte e a Rainha foi a responsável por inaugurar a placa que anunciava a construção do elo direto entre as capitais Rio de Janeiro e Niterói.
Clarissa Ramos, que também atua como Coordenadora de Gestão de Acervo do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, acredita que a participação da rainha tem relação com a presença de capital financeiro e intelectual inglês envolvido na obra. A empresa N M Rothschild & Sons, fundada no Reino Unido, foi responsável por parte do financiamento das atividades e a estrutura utilizada na construção foi fabricada na Inglaterra.
Rainha Elizabeth II inaugura a placa de construção da Ponte Rio-Niterói. Vídeo: Arquivo Nacional
Após cinco anos de construção, no dia 4 de março de 1974 foi inaugurada a Ponte Presidente Costa e Silva.
União entre dois estados
O desembargador e professor universitário Álvaro José Mayrink da Costa, no seu depoimento ao Museu da Justiça, em 1998, disse que: “Do momento em que se fez a Ponte Rio-Niterói, temos dois estados. Ela foi como… o cordão umbilical da fusão”.
Clarissa Ramos fala que, se na década de 50 a decisão de não fundir os dois estados era para manter os status da cidade do Rio de Janeiro; assim, fazer a fusão em 1975 era, de fato, uma tentativa de rebaixar a importância da cidade-estado. A Guanabara continuou concentrando muito poder e o Governo Federal precisava que Brasília fosse o polo da gestão estatal.
A fusão só foi de fato concretizada em 15 de março de 1975. A cidade-estado da Guanabara passava a ser a cidade do Rio de Janeiro, capital do Estado do Rio de Janeiro. Niterói, por sua vez, deixou de ser capital, virando sede do município de mesmo nome. Essa é a atual configuração vigente no Rio de Janeiro.
Os jornais do dia 15 de março de 1975 ressaltavam a importância da ponte para a união entre os dois estados. O Jornal do Brasil, sediado na Guanabara, destacava a Rio-Niterói como o símbolo do reencontro. Enquanto O Fluminense, de Niterói, relembra os tempos em que a fusão ainda era feita de balsa.
Mesmo com um ano de diferença entre a inauguração da Ponte Rio-Niterói e a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, para muitos cariocas e fluminenses, as duas ações ocorreram simultaneamente, como conta Clarissa. A doutora em história explica que esse espaço temporal foi se comprimindo no imaginário da população de tal forma que associam diretamente a fusão com a Ponte, e a conexão feita pelos jornais da época ajudam a reforçar a ideia.
De acordo com a Ecoponte, empresa responsável pela exploração e manutenção da Ponte Rio-Niterói, hoje, passam pelo trecho uma média de 150 mil veículos por dia. O Instituto Baía de Guanabara diz que ponte facilita o transporte comercial, melhora o escoamento das produções do estado e contribui para o desenvolvimento turístico regional, conectando, principalmente, os moradores da capital e da região metropolitana às praias da Região dos Lagos. Em 13 minutos de travessia, em condições normais, a vida de cariocas e fluminenses foi mudada para sempre.
Tive o privilégio de participar na construção da Ponte Rio – Niterói e ver emergir do fundo da Baia de Guanabara uma grandiosa obra. Comecei a trabalhar na construção da Ponte, como auxiliar técnico, em setembro de 1970. Era jovem, esforçado, destemido e entusiasmado com aquele gigantesco canteiro de obra, no mar e em terra, e logo fui promovido. Na construção da ponte foram utilizadas pela primeira vez, tecnologias inovadoras, como ilhas flutuantes com equipamentos de perfuração de tubulões, treliças de lançamento e dois equipamentos de colocação de aduelas, além do concreto dos tubulões que era autoadensável, e somente apareceu em uma ponte dez anos depois, no Japão em 1980. Há 48 anos a gente estava à frente do mundo inteiro!
Congratulações a todos os colegas, que com muito esforço, sacrifício e coragem, trabalharam na construção da Ponte.
Parabéns pela matéria.