Arte da capa por Rayssa Sanches
Por Júlia Cruz
No Brasil, somente 51,2% do volume total de esgoto gerado é tratado, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Isso significa que o equivalente a mais de 5,5 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas diariamente na natureza. Em números populacionais, são cerca de 100 milhões de brasileiros que não têm tratamento à coleta de esgoto, além de 35 milhões sem acesso à água potável.
O saneamento básico é um conjunto de serviços fundamentais como abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. O saneamento básico é um direito garantido pela Constituição Federal, instituído pela Lei nº. 11.445/2007.
Essas medidas básicas de infraestrutura exercem a medicina preventiva. “A fonte de água contaminada é um veículo potencialmente causador de uma série de doenças que vão desde a diarreia até hepatites e outras infecções que podem ser fatais para o ser humano”, comenta André Ricardo Araujo, médico e responsável pelo Laboratório de Ensino em Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde da Universidade Federal Fluminense.
Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos é o sexto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. As ODS foram criadas em 2015 com o intuito de serem atingidas até 2030 e são um apelo global para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima. No Brasil, a lei vigente, conhecida como Marco Legal do Saneamento, tem como meta alcançar a universalização dos serviços de saneamento básico até 2033, garantindo que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto.
O médico André Ricardo Araujo também analisa prejuízos financeiros causados pelo tratamento contínuo de pacientes sem acesso ao saneamento básico. “Todos os tratamentos são à base de medicamentos. Existem alguns medicamentos, como no caso da hepatite A, que chamamos de suporte para aliviar os sintomas e que são de certa forma paliativos. Pois, se a pessoa continuar exposta àquele ambiente, certamente ela vai ter novos episódios. E, assim, temos um ciclo que torna muito difícil evoluir com o quadro clínico do paciente. Isso gera absenteísmo da escola, do trabalho e gastos com saúde pública. Ou seja, o custo de uma infecção aparentemente simples pode ser muito maior do que imaginamos”, esclarece Araujo.
O médico ainda adverte para os perigos do saneamento precário em fases mais indefesas da vida. “A pessoa quando está exposta a um saneamento básico inadequado pode adquirir infecções em qualquer fase da vida. Mas é certo que as crianças menores de um ano e os idosos são mais vulneráveis”. Araujo continua a explicação:
Inovações tecnológicas para o saneamento
Para Fernando Magalhães, professor do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, antes de pensar em tecnologias mais avançadas para melhorar os diversos processos de saneamento básico, é necessário universalizar o acesso a esse tratamento no Brasil. Após atingir a universalização, é possível focar no uso das inovações para melhorar ainda mais a qualidade do saneamento.
Magalhães diz que a inovação tecnológica não deve passar apenas pela pergunta “qual é a melhor tecnologia?”, mas sim em qual circunstância ela será aplicada. “Muitas inovações, como os processos oxidativos, eletroquímicos e biológicos mais avançados buscam diminuir a área utilizada para tratamento da água e esgoto, reduzindo custo e melhorando a qualidade. Contudo, eles consomem muita energia. Já as Soluções Baseadas na Natureza demandam maior área e consomem menos energia. Por isso, é preciso avaliar em qual contexto a tecnologia é a mais adequada”, complementa.
O professor acredita que a falta de mão de obra qualificada é um dos principais empecilhos da instalação de inovações sanitárias, já que muitos desses sistemas são projetados fora do Brasil e, ao chegarem no país, não encontram profissionais familiarizados com a tecnologia. “Tudo isso é uma indústria, não podemos tratar como um processo simples no setor de saneamento. E a indústria mal operada não funciona. Por isso, hoje, é pensado em sistemas mais otimizados, que fazem tudo por si só, como por exemplo, monitorar, descartar o lodo e o gás gerado”, avalia.
Magalhães ainda faz um apelo para que sociedade tenha função ativa no encaminhamento correto dos resíduos. “A capacidade de avançar nas tecnologias nós temos, a dificuldade tem sido na implementação e sucesso dessas tecnologias. E sempre será necessária a participação da população. Não adianta uma inovação tecnológica fantástica se as pessoas continuarem a jogar o óleo na pia da cozinha ou não fizerem a separação dos resíduos, dificultando na reciclagem e na compostagem, por exemplo”, garante o professor.
Educação ambiental
A jovem Liriel Nogueira, de 20 anos, conheceu a educação ambiental há quase dois anos. Foi quando ela ingressou no Ecoclube União dos Jovens Ambientalistas de Duque de Caxias (UNIJADC), formação do primeiro ecoclube da Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. No UNIJADC, Liriel estudou, junto com outros jovens de 15 a 17 anos, tópicos como aquecimento global, racismo ambiental, poluição e fake news.
Após seus dias no Ecoclube, Liriel passou para a próxima fase da sua educação continuada, o Coletivo de Agentes Ambientais Comunitários. No coletivo, moradores de Duque de Caxias,de 18 a 25 anos, realizam entrevistas porta a porta, diagnosticando os principais problemas socioambientais enfrentados pelos moradores. Eles também promovem ações para gestão de resíduos sólidos e conduzem bicicletas adaptadas para coleta seletiva de materiais recicláveis.
O UNIJADC e o Ecoclube são duas fases do Projeto EDUC, desenvolvido pela ONG Guardiões do Mar em parceria com a Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental. O projeto e visa promover o protagonismo comunitário para a proposição de soluções aos problemas socioambientais identificados, sensibilizando jovens, lideranças, educadores e moradores.
O EDUC ainda conta com uma fase anterior às duas apresentadas, o Coletivo Ambiental Mirim, que trabalha com crianças de escolas municipais de 7 a 11 anos. A instituição, com suas três fases de formação, atua em oito comunidades de Duque de Caxias: Campos Elíseos, Saraiva, Parque Império, Parque Marilândia, Bom Retiro, Saracuruna, Jardim Primavera e Xerém.
Desde o início do Projeto EDUC, em 2018, mais de sete mil quilos de resíduos sólidos deixaram de ir para a natureza via dois programas, sendo um deles a coleta seletiva comunitária realizada pelos oito Agentes Ambientais Comunitários, que conta com Liriel como participante.
A coleta e destinação correta de resíduos sólidos é uma das atividades do saneamento básico. Essa ação ainda influencia positivamente em outra atuação do saneamento, a drenagem urbana de águas pluviais, evitando possíveis alagamentos.
Alguns dos jovens participantes do Projeto EDUC são atingidos diretamente por problemas de saneamento. Alagamentos, escassez de água, má gestão dos resíduos e poluição são alguns dos transtornos enfrentados por eles em suas comunidades. Liriel, moradora de Campos Elíseos, relata que atualmente não sofre mais com enchentes, pois mora em uma ladeira. Entretanto, quando morava em outra rua da mesma região, passava por situações de alagamento e falta de água. “A água, quando caía, era uma vez na semana e isso é horrível. Alguns parentes meus, incluindo minha avó, sofrem com isso até hoje. O quintal não tem água e precisam esperar a água da rua cair para encher a caixa. É um sacrifício enorme”, conta a jovem agente comunitária.
Flávio Rabelo, coordenador geral do Projeto EDUC, acredita que, com o projeto e o trabalho de diagnóstico realizado, os jovens conhecem melhor o espaço em que vivem e podem observar a transformação que representam na vida dos moradores das oito regiões de atuação da instituição. “O foco principal do projeto é a mudança na visão dos moradores com relação ao seu próprio meio. Por exemplo, a separação do lixo em orgânico e reciclável pode não impactá-los tanto, mas gera renda para outras pessoas da comunidade. Assim, cria uma cadeia de evolução na região”, informa o coordenador.
Os dados coletados pelos Agentes Ambientais Comunitários serão publicados nas redes sociais e no site da ONG Guardiões do Mar, ficando disponível para a sociedade, órgãos públicos e demais interessados, ao final da edição do Projeto EDUC Fase II. “Espero que esses jovens levem as experiências vividas no projeto para seus futuros e continuem sendo pessoas disseminadoras da informação”, declara Rabelo.