Reportagem por Ana Luísa Vasconcellos
Raquel Terra teve sua primeira aula de flauta doce aos sete anos, em 1994. Desde então, não se afastou por muito tempo da música. Ela fez parte do primeiro grupo de seis alunos a ter aulas no Espaço Cultural da Grota (ECG), atual sede da Orquestra de Cordas da Grota (OCG); mas aos 11, quando a família se mudou, parou de frequentar o espaço. Cinco anos depois voltou às aulas e, a partir daí, aprendeu a tocar flauta transversa, violoncelo e violão; fez apresentações, se formou e começou a ministrar aulas. “A música me proporcionou ir a lugares diferentes do meu vínculo, viajar, fazer apresentações, me sentir uma artista importante e ser aplaudida”, relata. Atualmente, Raquel é formada em licenciatura em Música pelo Conservatório Brasileiro de Música e é regente de um dos núcleos da Orquestra de Cordas da Grota, no Badu, em Niterói.
O Espaço Cultural da Grota foi criado nos anos oitenta, quando a professora aposentada Otávia Selles decidiu se voluntariar para dar aulas de reforço escolar e atividades extraclasse à crianças e adolescentes da comunidade da Grota do Surucucu, em Niterói. No início, as principais atividades eram manuais, como costura e jardinagem, daí a razão para o espaço ser conhecido como “horta” pelos íntimos. Porém, logo no início foram implementadas aulas de flauta doce ministradas por Márcio Selles, filho da professora Otávia. É desse grupo de seis alunos iniciais que Raquel Terra fez parte. De ano em ano, alunos e projeto se multiplicaram. Em 1998, após o falecimento da criadora do espaço, Márcio e a mulher, Leonora Mendes, reformularam o projeto e inauguraram oficialmente a Orquestra de Cordas da Grota.
Quando Raquel começou a ter aulas, o ECG enfrentava dificuldades com a manutenção de instrumentos e arrecadação de patrocínios. Mesmo com obstáculos, o espaço foi crescendo, e fechou 2020 com mais de mil estudantes. Como professora regente da orquestra, Raquel demonstra orgulho de ensinar e gratidão pelo que a função proporciona: “Poder contribuir como professora na vida de cada aluno, ter essa aproximação e o desafio em lidar com alunos mais resistentes, usando o afeto e me colocando no lugar deles”, afirma.
Ensino musical na pandemia
Localizada em São Francisco, a comunidade da Grota do Surucucu participa integralmente do projeto, que já é tradicional para os moradores. As crianças e adolescentes têm acesso ao ensino musical gratuito, com o objetivo de abrir portas à cultura e educação, além de oportunidades no mercado de trabalho. Em 2020, os alunos do Espaço Cultural da Grota tiveram aulas de flauta transversal e doce, violino, viola, violoncelo, clarinete, percussão, teoria musical e percepção musical. Além da sede, a Orquestra também tem outros núcleos de ensino: no Centro e no bairro Badu, em Niterói; no Coelho, em São Gonçalo; e nos municípios de Itaboraí e Nova Friburgo.
Por conta da pandemia da Covid-19, os professores se adaptaram ao ensino on-line, para permitir que os alunos cumprissem o distanciamento social. Desta forma, por meio de grupos de whatsapp, os professores enviavam conteúdos, marcavam encontros virtuais e até ensaios à distância. O projeto também conseguiu produzir vídeos e fazer apresentações virtuais durante o isolamento.
Apesar dos esforços para a adaptação ao modelo on-line, alguns alunos não conseguiram acompanhar as aulas, por falta de conexão com a internet ou carência de estrutura e equipamento. Pensando nisso, o projeto criou uma campanha para arrecadar celulares, tablets e computadores. Eles ainda estão recebendo doações para facilitar o acesso às aulas, que se iniciaram em fevereiro de 2021. Uma das conquistas que a OCG garantiu ao final de 2020, e que deve ser ainda mais ampliada este ano, foi a participação no Sistema Nacional de Orquestras Sociais (Sinos), criado a partir de uma parceria entre a Fundação Nacional de Artes (Funarte) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre todas as orquestras sociais presentes na iniciativa, a Orquestra de Cordas da Grota foi a primeira a participar com dois vídeos gravados especialmente para a ocasião.
Alunos viram mestres
Além das aulas de música, o projeto proporciona também um curso de capacitação para permitir que alunos trabalhem como instrutores. Esse curso foi essencial para que vários deles que se profissionalizassem. Hoje, atuam como professores não só na Orquestra de Cordas da Grota, como em instituições públicas e privadas no Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo. Assim como Raquel, Katunga Vidal, maestro da orquestra principal, é um desses exemplos. Na realidade, dos seis primeiros alunos de Márcio Selles, lá da turma de 1994, quatro dão aulas no projeto. Katunga conta que sua família sempre teve a tradição da música, mas em sua maioria são cantores e percussionistas de samba, por isso ele nunca havia tido contato com a música clássica até conhecer o projeto.
Para o maestro, a oportunidade de reger a orquestra, que surgiu há cinco anos, foi resultado de muito estudo e de um trabalho gradual na música. Entretanto, ele reconhece que o ECG significou bem mais do que isso para ele. As palavras de Dona Otávia, criadora do espaço, o incentivam na prática de seu trabalho diariamente: “Ela sempre dizia que independente do que a gente fizesse, fosse pedreiro ou empresário – sem desmerecer nenhuma das profissões -, deveríamos ser boas pessoas. Essas palavras influenciaram muito a minha vida e carreira dentro do projeto”, relembra.
Muito boa a matéria! Parabéns!