Diversos sons embalam a viagem entre salas cheias de jovens que carregam instrumentos de um lado para o outro, buscando seu espaço na aula de música. São enormes violoncelos ou delicados violinos desfilando pela sala e vozes que procuram harmonizar a euforia juvenil de forma orquestrada. Sediado no Centro de Niterói, o Programa Aprendiz é responsável por realizar um trabalho contínuo na rede municipal da cidade e ainda receber estudantes interessados no estudo musical em sua sala, fora do horário escolar. O projeto é uma porta de entrada para a musicalização e a ampliação da educação cidadã e, cada vez mais, forma integralmente alunos apaixonados pelo amplo universo das artes.
Há 17 anos, a parceria entre as secretarias de Educação e de Cultura da Prefeitura de Niterói possibilitou o início do programa que, desde 2011, começou a ser gerido pelo Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB), uma organização sem fins lucrativos que busca dar apoio à produção cultural e à pesquisa musical. A sala utilizada pelo Aprendiz para as aulas fora do horário escolar é cedida pela Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro que, além de apoiar a iniciativa, também concede espaço para apresentações na Sala de Cultura Leila Diniz toda última quarta-feira do mês. Desde sua origem, o objetivo da iniciativa permanece intacto: a formação de crianças e adolescentes que se tornarão cidadãos conscientes com acesso à cultura desde a escola.
Até 2016, quando completou 15 anos, o Aprendiz já havia formado mais de 20 mil estudantes, com um conjunto que conta com a inicialização musical, para apresentar o universo das artes aos menores, canto coral, violino, viola, cello, violão, cavaquinho, flauta transversal, clarinete e percussão. A coordenadora Fátima Mendonça, de 51 anos, alega que apesar do ensino musical ser o caminho, a finalidade é apresentar novos horizontes aos alunos: “Nosso objetivo principal é educar a criança dentro do mundo da música e ensiná-la. Ensinamos tudo realmente desde o início, independentemente do nível de conhecimento deles, mas nos focamos muito em dar a visão de novas possibilidades em suas vidas”, afirma.
Nos primeiros ciclos escolares, as crianças que têm acesso ao programa recebem aulas de inicialização musical e também de canto coral. As unidades municipais inserem as atividades no próprio horário escolar e, para os pequenos, elas incluem tocar, cantar, dançar e escutar. Iniciadas no 1º ano do Ensino Fundamental, as turmas têm alunos a partir de seis anos, faixa etária em que é importante o desenvolvimento dos sistemas motor, sensorial e psíquico. É inicializando as crianças ao mundo musical que se pode incentivar a criatividade, tão importante no âmbito educacional, além da troca de afeto e experiências proporcionadas pela prática de atividades culturais em grupo.
Formando Professores
Aos 25 anos, Roberta Oliveira é ex-aluna e professora do Programa Aprendiz e lembra que seu contato com a música vem de cedo: “Minha mãe conta que aos três anos de idade eu podia cantar um pagode inteiro, mas no Aprendiz mesmo eu comecei com dez anos. O mais interessante é que hoje eu dou aula na escola onde eu estudei”, declara. A professora ainda admite que sempre soube que queria lecionar, mas não sabia o quê, e foi a partir das aulas que teve na escola que voltou seus olhos para música. Roberta participou do projeto como aluna por anos e foi convidada, inclusive, para fazer parte de uma experiência na Noruega, que reuniu pessoas do mundo todo em um encontro musical para apresentações e workshops. Hoje, Roberta dá aula de canto e iniciação musical em três escolas municipais com um total de 11 turmas, de alunos de seis a 17 anos. Ela confessa: “Sinto que atingi meu objetivo, que era poder dar aulas de coral e iniciação. Daqui para frente, só quero poder ensinar em mais escolas e a mais alunos”, completa.
O programa pode abranger do 1º até o 9º anos do Ensino Fundamental e, nas séries mais avançadas, existe a oportunidade de aprender instrumentos clássicos e populares. Cada Escola Municipal tem disponível algum ensino instrumental, que pode incluir oito aulas distintas: no núcleo clássico são ensinados o violino, a viola e o cello e, no núcleo popular, o violão, o cavaquinho, a flauta transversal, o clarinete e a percussão. Essas aulas também são dadas dentro das escolas, tanto para iniciantes quanto para estudantes com nível avançado, possibilitadas pelo empréstimo gratuito do material aos alunos que queiram participar.
O professor Samuel de Azevedo, de 23 anos, foi aluno do Programa Aprendiz e hoje é professor de violoncelo e graduando de Música na Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), onde também atua como monitor de Percepção Musical. A sua apresentação verdadeira ao universo das cordas ocorreu a partir das aulas oferecidas pelo programa e, também por conta desse envolvimento, pôde participar de apresentações e grupos musicais. Dentre as ações mais marcantes enquanto aluno, destaca duas experiências: a participação no Grupo de Câmara – um septeto – e a parceria feita com a Companhia de Balé de Niterói, com performances de bailarinos durante as apresentações. Ele explica que vê similaridades no ato de se apresentar e de ensinar: “Eu gosto muito quando eu faço alguma coisa que possa tocar as pessoas. Quando eu estou ali me expressando e elas entram naquela vibração, esse momento se torna único e, para mim, a minha maior conquista. Hoje em dia, quanto mais eu ensino, mais eu sinto a conexão com o outro em uma relação aberta. É ver o conhecimento sendo construído e saber que somos um canal para isso”, manifesta orgulhosamente.
Aprendizado avançado
Conjuntamente às aulas, em que a ideia é musicalizar os alunos e apresentar um instrumento, também são formadas orquestras em que os jovens podem desenvolver níveis mais avançados. Na formação orquestral, que é o terceiro estágio do aprendizado proposto pelo programa, os músicos que apresentam habilidade técnica participam de alguma das três orquestras infantis escolares ou de uma das duas orquestras principais. Nas escolares, o programa conta atualmente com a Orquestra Pendotiba, a Orquestra Villa Lobos e a Orquestra Interculturalidades e, nas principais, estão a Orquestra Guerra-Peixe (alunos até 13 anos) e a Orquestra Sinfônica Aprendiz (alunos de 14 a 24 anos).
Um dos alunos atuais é Ryan Sampaio, de 17 anos, que pratica violino e canto coral. Estudante do coro musical desde os seus oito anos, Ryan hoje é regente e diretor da Orquestra Nilo Peçanha, que criou com colegas e conhecidos músicos. Para ele, o objetivo é levar a música a lugares públicos, tornando-a acessível, e ele se sente grato ao Aprendiz por ter lhe proporcionado a abertura de muitas portas: “Esse programa teve um papel fundamental na minha vida, porque ele não é só de música, mas também de formação social. É um lugar onde podemos nos conhecer e nos tornar pessoas melhores para a sociedade. A ideia é fazer o bem para os outros e isso vai muito além da música”, garante.
Participantes ativos no dia a dia das escolas municipais, os professores do Aprendiz consideram o aprendizado musical uma das principais portas que devem ser abertas pela educação. Samuel, entusiasmado em passar adiante seus conhecimentos, opina que esse contato foi fundamental para a sua formação: “O Aprendiz é uma porta para o mundo da música que a apresenta aos jovens através do viés clássico, para que possam ir se expandindo e conhecendo outras áreas depois, como acontece com os mais interessados”, constata. Roberta não discorda: “O que me move como professora é passar conhecimento. Eu gosto de ver a criança aprendendo porque é o contato mais verdadeiro que a gente tem. Se ela não gostar, vai falar na sua cara de forma clara, mas se ela gostar é muita troca”, reitera.