O impacto da pandemia no cinema

Por Ana Luísa Vasconcellos

O mundo observou as plataformas de streaming ganhando cada vez mais assinantes nos últimos anos, mas isso não foi suficiente para que os amantes dos filmes deixassem de lado a telona e a experiência cinematográfica. As salas com sessões lotadas, o balde de pipoca, a saída com os amigos para ver um novo lançamento. Tudo deixou de ser parte da realidade em 2020, enquanto o mundo se protegia, cada um em sua casa, da pandemia do coronavírus. Muitos cinéfilos precisaram se contentar em experienciar a arte por meio dos televisores e notebooks. Para além do streaming, as iniciativas de exibição ao ar livre ganharam adeptos ao proporcionar o acesso da população às obras cinematográficas e, com a reabertura dos grandes cinemas, os frequentadores se dividem entre os que já voltaram às salas fechadas e os que ainda esperam pela vacina.

Um dos casos é o de Maria Isabel Rodovalho, de 25 anos, administradora da página de Instagram e Facebook Cinemalize, que adiou sua volta às salas audiovisuais: “Eu escolhi não frequentar o cinema. Me dói? Muito. Acho que este ano eu só fui uma vez ao cinema. Para uma pessoa que ia duas vezes na semana é uma diferença grande, mas eu não posso ser egoísta, me colocar em perigo e colocar o outro em perigo também. Então eu não vou me expor ainda”, opina.

Maria tem pais que fazem parte do grupo de risco, isso explica sua relutância em voltar às salas de cinema. Ela criou a página Cinemalize em 2013, onde publica conteúdos sobre produções audiovisuais.  Conta que já vivenciou experiências incríveis, como ser convidada para eventos, pré estreias e ao Festival de Cinema do Rio. Quando questionada sobre a experiência de assistir a um filme no cinema ou em casa, não resta dúvidas quanto à preferência. “Eu amo tudo no cinema, a textura do carpete, o cheiro da pipoca, amo o fato de sentar e esperar, amo até os trailers para a gente pensar em qual é o próximo dia que vamos vir ao cinema”, afirma.

 

Cinema na Praça

Para os que ainda não querem estar em uma sala fechada, uma opção ao ar livre é o Cinema Presente na Praça. Com a proposta de democratização, o projeto surgiu para trazer ao público essa cultura que, muitas vezes, não era de fácil acesso, devido ao valor cobrado ou até pela carência de salas de cinema nas cidades do interior. Em alguns municípios do Rio de Janeiro, o Cinema Presente na Praça leva exibições gratuitas a espaços públicos no fim de semana, conquistando adeptos que buscavam uma alternativa às grandes salas fechadas. O projeto itinerante, que fará exibições até 13 de dezembro, foi uma proposição da empresa FG3 Entretenimento e recebe apoio da Lei de incentivo da Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa do Estado. Segundo o Superintendente Estadual de Audiovisual, Vinícius Azevedo: “A ideia do projeto surgiu de uma carência  do Estado em relação à cultura e, principalmente, o acesso ao cinema.”

Impacto da pandemia no cinema
Imagem do Cinema Presente na Praça em Duque de Caxias

 

Dessa forma, o projeto itinerante já exibiu diferentes obras cinematográficas, inclusive a de grande sucesso de público, o filme Laços da Turma da Mônica. Com a opção ao ar livre, muitas pessoas que ainda preferem não participar de eventos com aglomeração ou em salas fechadas sentem-se mais seguras para aproveitarem a sessão. “Acho uma excelente iniciativa, porque no momento de pandemia está todo mundo enclausurado dentro de casa e podendo ter a oportunidade de sair e assistir com o cinema vindo até a gente. E é bom demais. Falta isso, não tem cinema aqui”, relatou Marcos Souza, morador de Arraial do Cabo, um dos municípios que já receberam exibições.

O impacto da pandemia no cinema
Aferição de temperatura feita na entrada do evento

Além da preocupação com a saúde, que definiu a aferição de temperatura e uso do álcool em gel pelos participantes, há também um cuidado com o meio ambiente. O projeto tem selo verde, uma vez que toda a energia gasta pelas exibições é reposta a partir do plantio de árvores. Em dezembro, a iniciativa irá percorrer os municípios de Bom Jesus do Itabapoana, Bom Jardim, Santo Antônio de Pádua, Miracema, São José de Ubá e Itaperuna. Uma das preocupações de Danielle Barros, Secretária Estadual de Cultura e Economia Criativa, é possibilitar acesso a todos: “Nós queremos a cultura presente, segura, acontecendo de forma gratuita para que todos tenham acesso. Nós cumprimos todos os protocolos dentro de um processo consciente.”

 

Cineminha no Beco

Por outro lado, nem todos os projetos de cinema ao ar livre estão funcionando durante a pandemia. É o caso do Cineminha no Beco, que exibia filmes gratuitamente pelas vielas e ruas do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio,  e já completa mais de sete anos com muita história na bagagem. Em uma bicicleta, Lindenberg da Silva, mais conhecido como Bhega, carrega os equipamentos para montar uma sala de cinema no meio da rua: projetor, tela e som. Ele é músico e animador cultural, mas quando se viu desempregado, em 2012, decidiu usar sua bicicleta adaptada com som alto-falante para divulgar comunicados à comunidade. Foi assim que tudo começou, até que veio a ideia de exibir sessões de cinema.

O impacto da pandemia no cinema
Bhega divulgando ações de bicicleta

 

O idealizador da iniciativa leva temas educativos e ecológicos para as exibições, mas as próprias crianças também ajudam na escolha dos filmes: “Antes e depois das exibições fazemos a limpeza do local, pois falo com eles que a Baía de Guanabara está pedindo socorro. Muito peixes, tartarugas, golfinhos estão morrendo com a poluição do homem”, reflete. Em 2020, ele deu uma pausa nas exibições por conta da pandemia, como forma de evitar aglomeração: “É muito triste ver as crianças perguntando se acabou e quando vamos voltar”, atesta.

Uma das frequentadoras do Cineminha do Beco é Elisabela Oliveira, de 7 anos, que mora em Ramos e não vê a hora de assistir a um filme. Se ela sente falta, não há dúvidas: “Muito, muito, estou com saudade!”. Ao conversar com ela, Bhega argumenta que, por causa da pandemia, ainda não é seguro, mas ela insiste: “É só distanciar as cadeiras e tudo, dá para passar o filme!”, anima-se. Ainda assim, ele explica que tem que ser responsável e tomar cuidado para não ocasionar aglomeração na favela da Maré. Foi exatamente por causa de pedidos como esse que o animador cultural criou o projeto. Em uma de suas pedaladas pela comunidade, fazendo divulgações para parceiros, um menino o parou para perguntar se ele fazia um “cineminha” para as crianças. Ele, surpreso e inspirado pela pergunta, começou a buscar uma forma de arrecadar o dinheiro para comprar equipamentos como o projetor, o aparelho de DVD e a tela.

O impacto da pandemia no cinema
Reciclagem de óleo possibilita exibições na Maré

Foi a partir da coleta e venda de óleo usado que Bhega conseguiu os R$300 que deram início ao Cineminha. São anos de história no Complexo da Maré que marcam a democratização dos filmes e a preocupação com o meio ambiente. “Montei tudo e foi uma alegria com as crianças, porque muitas delas não têm acesso a uma sala de cinema. De dez crianças, oito nunca foram ao cinema. Em pouco tempo o Cineminha ficou conhecido por todos. A coleta de óleo aumentou, pois era o óleo que patrocinava o Cineminha no Beco”, relata. Para ele, o fator ambiental é muito importante. A coleta de óleo é uma das formas de frear a poluição dos mares e o descarte irregular, além de possibilitar a reciclagem do material. Quanto à exibição, Bhega não vê a hora de voltar a levar alegria às crianças, mas ainda espera que as condições sanitárias sejam mais seguras para os moradores.

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