Arte da capa por Mariana Bittencourt
Reportagem de Luis Felipe Granado
Da ficção ao fato
Quem viu o filme de animação norte-americano “Rio”, produzido em 2011 pela Fox Filmes e dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, com certeza se apaixonou não só pela a arara-azul Blu e sua parceira Jade, como também pelo roteiro que se passa nas florestas do Rio de Janeiro. O enredo trata do aprisionamento e contrabando de aves silvestres, prática ainda muito comum no Brasil.
No longa-metragem, o casal Linda e Túlio são os responsáveis por desmantelar e denunciar a quadrilha de contrabandistas. No estado do Rio, os encarregados pelo combate ao tráfico de animais são os agentes do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), como na ação do dia 10 de fevereiro, quando resgatou 75 aves silvestres em Magé.
O resgate ocorreu em duas unidades de conservação do estado, no Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Serra da Estrela e na Reserva Biológica Estadual de Araras. A operação contou com o apoio do 34º Batalhão de Polícia Militar de Magé. Os agentes percorreram a área conhecida como Raiz da Serra, próximo à Vila Inhomirim para reprimir a caça, captura e guarda irregular de aves silvestres.
Nesse local, os técnicos e os agentes resgataram 75 aves silvestres, dentre as quais, coleirinho, trinca-ferro, canário-da-terra, saíra e pixoxó. Além disso, foram apreendidos 19 alçapões, uma espécie de armadilha para capturar passarinhos, e 70 gaiolas.
Os animais foram levados para triagem com um médico veterinário parceiro, para checar as condições de saúde. As aves que precisavam de tratamento ou que já estavam acostumadas às gaiolas foram encaminhadas ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). As saudáveis nativas com comportamento de recém captura – dentre elas espécies como trinca-ferro, pixoxó, saíra-sete-cores e tiziu – foram devolvidas à natureza.
O Inea informou que atua regularmente com ações de fiscalização para combater a caça ilegal de animais silvestres nas unidades de conservação que administra. Além de ações de repressão, o órgão ambiental também trabalha de forma preventiva, por meio de atividades de educação ambiental junto à população que vive no entorno dessas áreas. A Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, por meio da Superintendência de Combate aos Crimes Ambientais e da Unidade de Polícia Ambiental (UPAm), prestam apoio às operações.
Cabe ressaltar que a caça, captura e comercialização ilegal de animais silvestres constitui crime contra o meio ambiente, e está sujeito a penalidades conforme legislação ambiental.
A prática é mais comum do que se imagina
No Brasil, segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), cerca de 38 milhões de animais são retirados de seus habitats e vendidos ilegalmente. Desse número, 9 em cada 10 morrem antes mesmo de chegar às mãos do consumidor final, devido à precariedade dos meios em que são transportados.
Estima-se que o tráfico de animais movimente entre 10 e 20 bilhões de dólares por ano no mundo. Desse total, 10% correspondem ao Brasil, configurando a 3ª maior atividade ilegal do mundo, atrás apenas do tráfico de armas e de drogas
O coordenador geral da Renctas, Dener Giovanini, explica o motivo do Brasil ser um dos principais alvos desse crime: “Exatamente por termos uma quantidade gigantesca de espécies, e uma biodiversidade enorme, os olhos dos contrabandistas se voltam para cá, tentando atingir colecionadores”.
Para ele, o país já avançou bastante no combate ao tráfico de animais silvestres, apesar de ainda estarmos longe de uma situação confortável. “Sem sombra de dúvida, a principal estratégia para conter o avanço desse crime é convencer as pessoas à não adquirir animais silvestres no comércio ilegal. É preciso conscientização”, disse ele.
“Quando se adquire um animal retirado ilegalmente da floresta, está sendo cúmplice de uma história que sempre termina infeliz.”
Relação com a pandemia de Covid-19
Você já se perguntou como nascem os vírus que fazem surgir pandemias como a Covid-19? E por qual razão surgem em lugares específicos?
A gripe espanhola apareceu nos Estados Unidos; o zika vírus estava restrito às ilhas da Polinésia Francesa, no Oceano Pacífico, mas veio parar no Brasil em 2016; a gripe suína de 2009 surgiu em fazendas do México. Já o Sars-CoV-2, causador da Covid-19, foi detectado pela primeira vez na cidade de Wuhan, na China.
Segundo Paula Rogovski, bióloga e mestranda do departamento de virologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), “os vírus possuem taxas de replicação altas, e a cada replicação existem chances de erro nas sequências genéticas que os codificam. Esses erros podem provocar modificações nas partículas virais fazendo com que apareçam novas mutações.”
“No caso do tráfico de animais, assim como em mercados de animais vivos, por exemplo, o contato entre diferentes espécies favorece o chamado “spillover” em que patógenos saltam de hospedeiros, passando de uma espécie para outra”, completa.
Ou seja, o manejo incorreto de espécies diferentes pode gerar novas doenças, daí a importância de denunciar qualquer atividade relacionada à venda de animais silvestres, bem como apoiar o trabalho de combate do do INEA, do Ibama e da Renctas.
Tenho um animal ilegal ou conheço quem tem. Como devo proceder?
Caso você crie um animal silvestre, ou saiba de casos como o citado acima, é possível realizar a entrega voluntária, ou a denúncia nas instituições que recebem e tratam animais silvestres. No caso da entrega voluntária, o criador fica isento de responder penalmente se o animal não estiver legalizado.
Para realizar a entrega, é preciso ligar para o Ibama (0800-618080), ou mandar e-mail para: l[email protected]. Outra opção é entrar em contato com o batalhão da Polícia Ambiental local, ou com o Centro de Manejo de Fauna Silvestre, que se dividem em Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) e Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS). Estes locais podem ser do Ibama, ter gestão municipal, estadual ou ainda serem administrados por ONGs locais.
É fundamental que os animais sejam entregues nesses centros, e não libertados diretamente na natureza. A reabilitação daqueles que estiveram em cativeiro pode ser bastante complexa. Além de avaliações de saúde, é necessário um processo de reintrodução, pois há o perigo de gerar espécies invasoras a um ambiente, causando desequilíbrio ecológico.