Imprensa Oficial: 90 anos de credibilidade e confiabilidade

Por Luiz Augusto Erthal

 

O mundo vivia o tempo do entreguerras. O Brasil, recém saído da Revolução de 30, vivia uma nova fase republicana. No Estado do Rio, após as décadas de decadência econômica decorrentes do declínio da monocultura do café, vivíamos, enfim, um período de esperança que ficou conhecido como a Renascença Fluminense.

Niterói, então capital do estado, respirava os ares da modernização. Uma profunda reforma urbanística mudava radicalmente o aspecto da cidade, que ganhava, entre outras obras de vulto, a Praça da República com seu conjunto arquitetônico em estilo neoclássico, a abertura das grandes avenidas Amaral Peixoto e Feliciano Sodré, a construção do porto, com o aterro de parte da enseada de São Lourenço, onde também foi erguida a Praça da Renascença, em comemoração ao movimento cívico-cultural que entusiasmava o Estado do Rio àquela época.

Este novo capítulo da história fluminense seria literalmente escrito nas páginas de um novo veículo: o Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, nascido no dia 1º de julho de 1931 e que acaba de completar 90 anos, mantendo “o elevado propósito de servir ao povo fluminense e auxiliar o seu governo”, conforme foi anunciado na capa daquela primeira edição histórica.

Cumprindo fielmente há nove décadas o compromisso assumido às portas do inverno de 1931, o Diário Oficial e a empresa pública que o representa hoje – a Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro – conquistaram, ao longo de milhões de páginas impressas em suas oficinas gráficas desde então, as palavras mágicas capazes de transformar uma publicação qualquer em autêntico documento detentor de fé pública em si mesmo: credibilidade e confiabilidade.

Os tempos invernais que vivemos hoje também trazem esperanças com a chegada de imunizantes, depois de mais de um ano de enfrentamento da maior crise humanitária da nossa geração – a pandemia de coronavírus -, e desafios a esta empresa, que testemunhou, ao longo da sua história, a maior revolução tecnológica de todos os tempos, sobretudo no campo gráfico.

O Diário Oficial, que começou a ser impresso ainda pelo processo tipográfico, inventado em meados do século 15, hoje se adapta às novas técnicas de distribuição de notícias pelos meios digitais, com instantaneidade e propagação semelhantes à luz. Mas outras reinvenções, determinadas pela mudança do arcabouço legal que regulamenta algumas das matérias hoje publicadas pelo D.O., se impõem doravante como novos desafios a esse empreendimento já quase secular.

 

Primeiros tempos

Nas letras populares, o samba “Com que roupa?”, primeiro grande sucesso de Noel Rosa, escrito e gravado em 1930, estourou no carnaval de 1931, quando o povo saiu às ruas para festejar também o enterro da Velha República, sepultada pela Revolução de 30. Nas letras oficiais, o Governo Provisório de Getúlio Vargas entende a importância de o Estado do Rio – o único da federação fronteiriço com o antigo Distrito Federal – fortalecer o seu governo com um periódico próprio.

Dessa forma, poucos dias após assumir a Interventoria do Estado do Rio de Janeiro, em 30 de maio de 1931, o general revolucionário Menna Barreto edita, no dia 29 de junho, o Decreto 2.615, publicado na primeira edição do Diário Oficial, com as razões da sua criação:

“… No governo do Interventor Federal João de Deus Menna Barreto, ínclito general do Exército Nacional, foi rescindido o contrato das publicações oficiais que vinham sendo divulgadas pelo venerando ‘Jornal do Commercio’, por não corresponder ele, aos interesses da coletividade, tendo em vista a sua pouca penetração no interior, levando aos longínquos municípios as decisões do governo das populações, além do alto preço cobrado pela divulgação dos atos oficiais…”. E acrescentava: “…Attendendo, finalmente, que não há motivo justificável para que o Estado do Rio de Janeiro continue a manter a publicação de seus actos fora do seu território…, já que o Jornal do Commercio era publicado no Rio de Janeiro.

Imprensa Oficial antiga

As publicações do governo fluminense deixam de ser impressas na rotativa do já centenário, àquela época, Jornal do Commércio, ficando, então, a cargo de modestas impressoras tipográficas do setor gráfico da Escola do Trabalho, instituição estadual que funcionava na Rua Mário Vianna,  597, no bairro de Santa Rosa, em Niterói, onde se ministrava o ensino profissionalizante.

Inicialmente, a sede administrativa funcionou provisoriamente no edifício da Assembleia Legislativa (atual Câmara de Vereadores de Niterói), na Praça da República. De lá saíam as matérias para a composição do Diário Oficial, que passou a circular no começo como um jornal vespertino, com uma circulação intermitente até nos domingos.

O sucesso do lançamento do veículo foi saudado pelo D.O na sua segunda edição, que teve de dobrar a tiragem para atender a demanda dos leitores:

“O povo fluminense deu hontem ao Diário Official uma prova da sua delicada sensibilidade.

Através do acolhimento generoso que só poderia ser satisfeito com o dobro da tiragem realizada – ficou patente a perfeita compreensão dos propósitos com que elle se apresentou para servir à comunhão, servindo ao Estado do Rio de Janeiro.

Com justificada satisfação, o Diário Official registra este flagrante de entendimento que tanto almejava, e aqui deixa, com os seus agradecimentos a quantos o apllaudiram, a promessa de corresponder às esperanças que esta animadora sympathia traduz.”

Para também corresponder à simpatia dos leitores e garantir a capacidade industrial necessária para atender ao rápido crescimento da publicação, foi necessário reequipar a Escola do Trabalho com duas novas linotipos. Até alguns anos atrás, quando da inauguração da nova sede da Imprensa Oficial, em 2010, e a renovação recente do seu parque gráfico, ainda havia na empresa exemplares desse tipo de equipamento, responsável, no tempo da tipografia, pela composição mecânica das fontes de chumbo para impressão.

Na edição de do dia 4 de novembro de 1931, ou seja, apenas cinco meses após o seu lançamento, o Diário Oficial informava a compra das novas máquinas, justificando a necessidade pelo aumento do número de páginas do jornal. Circulando inicialmente com oito páginas, o D.O. já alcançara, em poucos meses, edições de 16, 20 e até 24 páginas.

A mesma matéria que anunciava a compra de duas Linotypo Modelos 8 junto à Linotipo do Brasil S/A, representante da Mergenthaler Linotypo Copmpany, de Brooklyn, New York, também fornecia uma importante informação sobre o sucesso de gestão financeira do Diário Oficial, que permanece ao longo dos seus 90 anos de existência economicamente independente:

“… Como previra o Governo, este jornal, que tem sido custeado com suas próprias rendas, vem deixando os necessários saldos à consecução do seu desenvolvimento, sem outros ônus para o tesouro público…”. Essa condição tem se mantido até os dias de hoje.

Em 1934 a sede administrativa do Diário Oficial passou a funcionar na Rua 15 de novembro, 38, no Centro de Niterói, onde o jornal ganharia, enfim, uma oficina própria. Por concorrência pública foram adquiridas duas linotipos, 500 quilos de chumbo e uma impressora plana tipográfica, que imprimiu pela primeira vez o D.O. no dia 6 de fevereiro de 1935.

Inicialmente subordinado à Presidência do Estado, o Diário Oficial passou em 1932 a ser vinculado à Secretaria do Interior e Justiça, por ato do então interventor federal no Estado do Rio de Janeiro, Almirante Ary Parreiras. Em 1943, já sob a interventoria de Ernani do Amaral Peixoto, genro do presidente Getúlio Vargas, o D.O. é inserido na estrutura do recém criado Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP), ligado diretamente ao chefe do governo estadual.

Em 1946, por decreto do interventor federal Lúcio Meira, o DEIP é extinto, sendo criada a Imprensa Estadual como órgão da administração direta vinculado à secretaria de Governo, passando a funcionar na Rua Presidente Pedreira, 94 e 96, ao lado do Palácio do Ingá, então sede do governo fluminense. Dentro do novo organograma, o Diário Oficial integraria a Divisão de Obras da Imprensa Oficial, que se transfere com as suas oficinas para um galpão na Rua Jansem de Melo.

 

Modernização

Imprensa Oficial

No ano em que completou o seu jubileu de prata, a Imprensa Oficial ganhou, finalmente, no governo Miguel Couto Filho, em 1956, uma sede própria. Localizada na Rua Marquês de Olinda, um prédio de linhas modernas e arrojadas, que se tornou referência arquitetônica do Centro de Niterói por várias décadas, foi por muitos anos a sede que unificou o setor administrativo com as oficinas do Diário Oficial.

Em sua nova casa, o órgão pode ampliar os seus serviços. Dois meses antes de comemorar os seus 25 anos, o Diário Oficial foi autorizado pelo Poder Executivo a imprimir obras de grande valor científico e literário, de autores fluminenses ou radicados no Estado, abrindo caminho para um extenso catálogo de livros lançados desde então pela Imprensa Oficial, que vem dando, assim, uma enorme contribuição para a cultura fluminense.

Em 1957 o parque gráfico foi recuperado e ampliado, com a aquisição de novas impressoras planas offset que iriam contribuir para a ampliação da produção de obras gráficas e alargar o horizonte de possibilidades. Em decreto do mesmo ano a Imprensa também foi autorizada a produzir material escolar para venda direta ao público com a recomendação de conter, sempre que as publicações comportassem, “matéria de ensinamento, como resumo histórico de municípios, produção, formação administrativa, aspectos turísticos e biografias de fluminenses ilustres já falecidos, excluindo-se qualquer propaganda política ou partidária”.

Imprensa Oficial

Mas foi em 1960, no governo Roberto Silveira, que a Imprensa Oficial daria um passo grandioso para o desenvolvimento da Educação pública no Estado do Rio. Por determinação do governador, através do Decreto 6.935, o órgão deveria produzir material escolar para distribuição gratuita entre estudantes pobres matriculados nos estabelecimentos de ensino do Estado, do Movimento Popular de Alfabetização e da Campanha de Educandários Gratuitos.

Em 1971 o órgão, ainda vinculado à administração direta do estado, é transformado no Departamento Autônomo de Imprensa Oficial. O grande salto administrativo e comercial, no entanto, é dado com a assinatura da Lei 7.239, de 20 de agosto de 1973, criando a Imprensa Oficial – Empresa Fluminense de Sistemas Gráficos. Chega-se, finalmente, ao status de empresa pública, que lhe dá autonomia administrativa para cumprir com mais eficiência sua missão.

Em 1975, após a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, a Empresa Fluminense de Sistemas Gráficos, através do Decreto-Lei nº 70 do dia 25 de abril, passa a ser denominada Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, conforme permanece até hoje. A empresa mantém sua sede em Niterói, apesar da transferência da capital fluminense para o Rio de Janeiro, por força do ato discricionário do regime militar de então, que impôs a fusão aos estado do Rio e da Guanabara sem consulta popular, embora a Constituição federal determine – como já determinava àquela época – que qualquer mudança na base territorial dos estados deveria ser confirmada em plebiscito, o que nunca ocorreu.

Ainda em 1975, o Diário Oficial passa a ser rodado pela impressora rotativa offset Gross Community, máquina que produziria algumas das maiores tiragens do D.O. e de outros produtos gráficos produzidos pela empresa. Dela também saíram várias edições da revista O Prelo, suplemento cultural do Diário Oficial lançado nos anos 80 e ainda hoje editado pela I.O.

Um turbilhão de novos processos gráficos convulsionou nas últimas décadas as rotinas da empresa, que testemunhou, em total sintonia com a evolução dos sistemas gráficos, a extraordinária transformação tecnológica dos últimos tempos. Depois de cinco séculos de domínio da tipografia – sistema de impressão direta introduzido no Ocidente pelo alemão Johannes Gutenberg -, a imprensa dava, enfim, novos grandes saltos.

Sede Antiga

Além da evolução para o sistema de impressão indireto offset, os avanços tecnológicos das técnicas de pré-impressão proporcionavam aos artistas e designers gráficos cada vez mais liberdade de criação. Meteoricamente, os processos foram se sucedendo: das matrizes de chumbo à composição eletrônica e à montagem dos layouts por past-up; daí para a editoração no desktop publishing e em pouco tempo a substituição do fotolito pelo sistema direct-to-plate.

A Imprensa Oficial acompanhou a evolução de todos esses sistemas, proporcionando permanente capacitação técnica ao seu quadro funcional e a atualização do seu maquinário. Ao final da primeira década do século 21, a empresa modernizou completamente o seu parque gráfico, com a aquisição de equipamentos de ponta que colocam hoje a Imprensa Oficial entre as duas ou três gráficas com maior capacidade industrial instalada no estado.

O maior investimento tecnológico já realizado pela empresa proporcionou, além da grande capacidade de produção atual, um extraordinário ganho qualitativo para os produtos gráficos impressos nela. O Diário Oficial pode, finalmente, passar a rodar a cores, com excelente qualidade gráfica, pela nova rotativa Pressline-30, isso conjugado com o moderno sistema de pré-impressão implantado através da instalação de dois CTPs.

Junto com a rotativa vieram também quatro novas impressoras planas Heidelberg de grande formato e totalmente informatizadas – duas quatro cores e duas bicolores -, além de modernas dobradeira, grampeadeira, encadernadora de livros, entre outros equipamentos de ponta.

Esse robusto parque industrial foi inaugurado junto com a nova sede administrativa, inaugurada no dia 14 de dezembro de 2010 pelo então governador Sérgio Cabral, na Rua Professor Heitor Carrilho, 81, no Centro de Niterói, onde até então funcionava o antigo parque gráfico e o almoxarifado. A transferência das instalações administrativas da Rua Marquês de Olinda para o belo prédio envidraçado de três andares atual reunificou os setores da empresa.

Imprensa Oficial

Anexo à nova sede também foi construída e entregue à população um novíssimo espaço cultural no Centro da cidade: a Sala de Cultura Leila Diniz, onde já foram realizadas centenas de programações culturais, como exposições, concertos de música clássica e popular, encenações teatrais, lançamentos de livros etc, procurando sempre privilegiar novos artistas fluminenses.

Nessa atual sede a Imprensa Oficial, além de ampliar sua capacidade gráfica instalada, está dando um grande salto para o futuro. Acompanhando a evolução da transmissão de informações, o Diário Oficial ganhou uma edição digital plena, passando a ser disponibilizado de forma inteiramente online para os seus leitores. Além disso, o acervo desses 90 anos do D.O. está sendo gradativamente digitalizado, com boa parte dele também já disponível para consultas pela internet, através do site da I.O.

Nos últimos anos a empresa também vem procurando se reinventar, no momento em que o papel das imprensas oficiais vem sendo repensado em vários estados, com a criação de novos serviços baseados nos dois principais pilares da IOERJ: credibilidade e confiabilidade.

A credibilidade da marca I.O. é o maior trunfo da certificação digital lançada pela empresa e que a cada dia conquista mais espaço no mercado. Já a confiabilidade será a grande garantia que a Imprensa Oficial poderá oferecer aos futuros clientes do serviço de guarda documental, um projeto em curso dentro de uma empresa que pode se apresentar, ela própria, como fiel depositária da legislação e dos atos oficiais emanados no Estado do Rio de Janeiro.

O dinamismo e a extraordinária renovação vivida nessas últimas duas décadas dão provas da vitalidade e da capacidade de superação que leva a empresa a enfrentar com confiança os desafios que se avizinham e a reafirmar que a Imprensa Oficial é, há 90 anos, e cada vez mais, um orgulho para o Estado do Rio de Janeiro.

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