Revitalização de ecossistemas marinhos

Arte da capa por Rayssa Sanches

Por  Júlia Cruz

 

Enquanto você lê o primeiro parágrafo deste texto, um caminhão de lixo está sendo despejado no oceano. De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial, estima-se que, por ano, cerca de oito milhões de toneladas de plástico acabam parando nos mares. Em ações de limpeza de praias realizadas por ONGs são encontrados produtos como seringas hospitalares, embalagens de alimentos, pedaços de isopor, fraldas, absorventes e bitucas de cigarros. Segundo a OMS, as bitucas de cigarro podem ser responsáveis pela introdução de mais de 4.000 substâncias químicas nocivas ao ambiente, como nicotina, alcatrão, acetona e amônia.

A poluição dos ecossistemas marinhos envolve diversos fatores, afeta a saúde da biodiversidade global e até mesmo a saúde humana. Mares, oceanos, costas e organismos vivos exercem papel crucial na regulação do clima, produção de oxigênio e ciclo de nutrientes, é o que informa a Fiocruz. Esses ambientes marinhos estão sendo usados incorretamente para descarte de resíduos sólidos, produtos químicos e poluentes tóxicos.

O Instituto Route Brasil, fundado em 2011, em Florianópolis, atua em vários estados na retirada de resíduos sólidos das praias brasileiras. Mais do que a limpeza, a Route também trabalha com pesquisa ao desenvolver um relatório de impacto após cada ação. Lucas Hellwig, coordenador operacional da Route Brasil, acredita que, com os relatórios, é possível entender o impacto e os costumes do consumidor de cada região, assim, pode sugerir medidas de solução adequadas ao local. Para ele, esses indicadores mostram quem está poluindo cada praia, como as pessoas, empresas ou a rede de esgoto e não desanima quando ouve dizer “limpar a praia é enxugar gelo”.

 

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Limpeza da Praia Mole pela equipe da Route Brasil, em setembro de 2022

 

O descarte das bitucas de cigarro é um dos problemas encontrados na Praia Mole, em Florianópolis. Em setembro de 2022, a equipe da Route Brasil e mais 52 voluntários se reuniram nessa praia de Santa Catarina para uma ação de limpeza. Ao todo, 466 bitucas de cigarro foram recolhidas. Os resíduos encontrados também falam sobre o comportamento dos frequentadores. A praia Mole é um dos únicos acessos à remota praia da Galheta, onde é praticado o naturismo. Na limpeza de setembro, 792 unidades de preservativos foram recolhidas. No entanto, como em todo local público, a atividade sexual também é proibida em praias de naturismo. Preservativos e bitucas de cigarro são materiais não recicláveis e corresponderam a 35% dos resíduos coletados na ação.

Hellwig comenta que outros exemplos de costumes locais estão na praia da Ferrugem, em Florianópolis, onde ocorrem muitas festas noturnas e, por isso, são encontradas hastes de pirulito em abundância. “No Rio de Janeiro, encontramos mais tampas metálicas, oriundas das garrafas long neck, do que tampas plásticas, o que mostra o comportamento do consumidor. Nas praias de Santos, são encontrados muitos sachês de ketchup, maionese e mostarda”, esclarece o coordenador operacional da Route Brasil.

 

 

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Equipe da Route Brasil fazendo a triagem dos resíduos sólidos recolhidos

 

Limpeza para além da praia

O Projeto UÇÁ, iniciativa da ONG Guardiões do Mar e patrocinado pela Petrobras por meio do programa Petrobras Socioambiental, trabalha na conservação e na remoção de lixo nas praias do entorno da Baía de Guanabara com a ação Clean Up Bay. E por intermédio da Operação LimpaOca, realiza limpeza de outra área do ecossistema costeiro, os manguezais.

O manguezal é um grande aliado contra as mudanças climáticas, pois sequestra de quatro a cinco vezes mais carbono que as florestas tropicais, conforme informa a ONU. Esse bioma ainda serve como berçário, criadouro e fonte de alimento para aves, moluscos, peixes e crustáceos, como o caranguejo-uçá, que dá nome ao projeto.

 

Ação Clean Up Bay na praia de Piedade, Magé

 

Durante outubro a dezembro de cada ano, meses que correspondem ao período de defeso (reprodução) do caranguejo-uçá, a caça do animal é proibida por lei. Por esse motivo, os caranguejeiros da área de proteção ambiental de Guapimirim estavam ficando sem sua fonte de renda. A Operação LimpaOca, então, garante a renda desses pescadores e catadores de caranguejo, pois opera durante esses três meses convidando-os a coletar resíduos da Baía de Guanabara junto aos voluntários do projeto, pagando uma bolsa auxílio.

Janaina Oliveira, coordenadora geral do Projeto UÇÁ, diz que a Operação LimpaOca é “uma via de mão dupla, pois os caranguejeiros ajudam o projeto a limpar o manguezal, ajudam eles próprios a ter um ambiente de trabalho mais seguro e acabam tendo um retorno financeiro”.

 

 

Após a Operação, os catadores poderão contar também com mais caranguejos durante a captura, por terem respeitado o período de reprodução do crustáceo e ainda pela diminuição das mortes desses animais, que ocorre, muitas vezes, devido ao entupimento de suas tocas pelo lixo. De 2014 até janeiro de 2023, a Operação LimpaOca retirou 51,5 toneladas de resíduos sólidos em uma região de 47 hectares.

 

Ação Clean Up Bay na praia de Piedade, Magé

 

Criando raízes

Entre os voluntários do Projeto UÇÁ está a estudante de 21 anos, Virna Barbosa. Ela conta que sempre teve afinidade com a natureza e hoje também faz parte de outros projetos de limpeza e pesquisa na área. Em 2023, sua participação se tornou mais ativa ao ajudar a organizar um mutirão na praia de Itaipu, em Niterói. Depois da coleta de lixo, o material retirado da praia serviu como intervenção artística para a bióloga marinha e artista plástica argentina, Cris Teper.

 

Estudante Virna Barbosa e artísta plática Cris Teper

 

Intervenção artística feita por Cris Teper na “Ação em Prol da Vida Marinha”

 

Essa não foi a primeira intervenção artística de Teper feita a partir de resíduos sólidos encontrados em ecossistemas marinhos. Em menos de um ano, a bióloga reuniu 90 mil tampinhas plásticas retiradas de praias e, em agosto de 2021, elaborou o primeiro mural de tampinhas da cidade de Niterói.

No mural, Teper reproduziu dois animais vistos na costa brasileira, uma tartaruga marinha e um filhote de baleia jubarte em tamanho natural. Somente no segundo desenho, a artista utilizou 30 mil tampinhas.

Mural de tampinhas plásticas feito por Cris Teper

 

Em consequência de seu trabalho, algumas escolas convidaram Cris Teper para fazer intervenções artísticas nos muros junto com as crianças. Para a artista, é bom que elas  aprendam que o lixo é responsabilidade de todos. “Por isso eu digo: seu lixo me pertence”, afirma.

 

Esperança no futuro

Apresentar a problemática do lixo nos ecossistemas marinhos é missão da autora e arteterapeuta Denise Miranda há mais de 20 anos. Em 2002, ela lançou o livro “Os peixinhos pedem socorro às crianças”, que fala sobre a importância dos pequenos ajudarem a manter o ambiente costeiro limpo.

A cada reimpressão do livro, Miranda se decepciona ao contar o mesmo final da história, com os peixinhos ainda precisando da ajuda das crianças. “Dá uma frustração em não conseguir mudar a história, mas ao mesmo tempo eu tenho esperança de poder escrever dizendo que as coisas mudaram, pois vejo muitas crianças pensando na sustentabilidade. Sonho em poder dizer que os peixinhos não estão mais pedindo socorro”, conclui a autora.

 

Capa do livro “Os peixinhos pedem socorro às crianças”

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