Arte da capa por Daniele Barbosa
Por Júlia Cruz
Janeiro, mês de férias, e todo ano a mesma pergunta percorre a cabeça dos pais: o que fazer para entreter estas crianças? A resposta de alguns especialistas é simplesmente deixá-las brincar. A brincadeira é importante para que a criança desenvolva a imaginação e aprenda ao explorar sozinha novas formas de lazer. Andrea Serpa, professora do curso de pedagogia da UFF, afirma que “o brincar é eletivo pela criança”. A professora continua:
A brincadeira livre, explicitada pela professora Andrea, é diferente de uma brincadeira pedagógica ou supervisionada por um adulto. Para ela, cada uma dessas brincadeiras tem seus pontos positivos para o desenvolvimento da criança, mas é percebida de forma diferente pelo pequeno.
“O brinquedo pedagógico, na verdade, é uma estratégia lúdica utilizada pelo adulto para favorecer o aprendizado da criança. O que é ótimo, já que utiliza algo que pode encantar mais a criança. Mas, do ponto de vista teórico, para criança não é exatamente ‘brincar’, já que não é ela quem estabelece as regras e a forma dessa brincadeira. Ou seja, a criança não é a protagonista, o brincar não atende as suas necessidades subjetivas. O brincar livre é protagonizado pela criança e atende as suas necessidades, enquanto o brincar pedagógico é protagonizado pelo adulto e atende as necessidades e objetivos desse adulto”, analisa a professora.
Caso os pais ainda procurem alguma atividade para entreter seus filhos, a pesquisadora da Fiocruz, Mônica Oliveira, e a pedagoga Ana Lúcia Silva sugerem deixar as crianças explorarem a natureza. As duas fazem parte do Conexão Natureza, coletivo que tem Mônica como idealizadora e atua na área da ciência para educação. Para as pesquisadoras, na natureza, a aprendizagem gerada pelo brincar, como o desenvolvimento sensório-motor e cognitivo-emocional, é potencializada.
Elas continuam afirmando que na natureza os sentidos são mais aguçados e há um bom desenvolvimento de habilidades cognitivas, como a atenção e a memória, e das funções executivas, memória operacional, controle inibitório, flexibilidade cognitiva, planejamento e criatividade.
“A natureza também promove o equilíbrio emocional, fortalece a imunidade e restaura a saúde. Além de fortalecer vínculos afetivos com o outro e o meio ambiente, criando memórias afetivas por toda a vida”, refletem Mônica e Ana Lúcia.
As pesquisadoras defendem o uso do termo “Transtorno de Déficit de Natureza”, criado pelo autor e jornalista estadunidense Richard Louv. “O termo não tem pretensão médica, é um alerta diante do cenário de ‘emparedamento’ que vivem nossas crianças, e muitos de nós adultos, principalmente nos centros urbanos, onde os espaços verdes estão cada vez mais reduzidos”, explicam Mônica e Ana Lúcia. Para elas, o confinamento das crianças pode ter consequências graves, como sedentarismo, obesidade, depressão, ansiedade e déficit de vitamina D, são nesses casos que a pessoa pode ser “diagnosticada” com Transtorno de Déficit de Natureza.
“Nossos corpos precisam de movimento, e ainda mais durante a infância, fase na qual as crianças estão em pleno desenvolvimento e crescimento. Mas, infelizmente, parece vivermos uma era de ‘encarceramento dos corpos’”, relatam as pesquisadoras. Uma solução para o Transtorno de Déficit de Natureza é deixar as crianças livres para brincar ao ar livre, que além de melhorar nesse transtorno e ajudar no desenvolvimento infantil, traz consequências positivas para o planeta.
A brincadeira on-line para o cérebro infantil
Em um mundo cada vez mais conectado e tecnológico, é normal ver crianças escolhendo brincar por meio de telas em celulares, vídeo games e computadores. Mas, para Bruna Velasques, professora da UFRJ e neurocientista-psicóloga, é preciso ter equilíbrio entre o mundo virtual e o real.
“A exposição prolongada à tela tem como principal prejuízo a privação. Então, a criança que está mais tempo na tela interage e se comunica menos com outras pessoas. Se não há um equilíbrio com outras atividades motoras, ou de conversa, linguagem e criatividade, essa criança pode acabar sendo privada de um bom desenvolvimento”, explica.
A neurocientista-psicóloga continua esclarecendo que tal privação tem consequências cognitivas e emocionais para os pequenos, uma vez que a brincadeira livre ajuda com a tomada de decisões e a regulação da frustração, por exemplo. “Para regular a emoção da criança é preciso deixá-la se frustrar quando um amigo pegar um brinquedo que ela está usando ou deixá-la construir uma torre que acaba desabando. Na tela, a criança acaba tendo carência disso”, completa Bruna.
De forma geral, é consenso entre especialistas que o uso de tecnologias deve ser limitado ao máximo por crianças com menos de dois anos de idade, devido à capacidade de interferência no desenvolvimento motor e da linguagem do pequeno. Contudo, Bruna Velasques permanece com o alerta para a necessidade de equilíbrio para o uso de telas após essa idade.
Apesar disso, as telas não podem ser encaradas apenas como vilãs. Para Bruna, é impossível excluir o mundo tecnológico diante do cenário atual em que as crianças estão constantemente inseridas no on-line. A neurocientista-psicóloga acredita que a tecnologia deve ser usada como acessório, não como principal meio educacional da criança, uma vez que os especialistas ainda precisam entender mais sobre os benefícios e malefícios desse recurso. “Alguns jogos podem sim trazer vantagens. Estudos já demonstram efeitos positivos, como a melhora cognitiva da tensão. Mas, o problema ainda é entender qual seria a dosagem ideal, o tempo e o tipo de jogo”, finaliza.
Brincando depois das férias
As férias acabam, mas as brincadeiras precisam continuar ao longo do ano, incluindo na escola. A professora de pedagogia da UFF, Andrea Serpa, garante que a Base Nacional Comum Curricular e as diretrizes curriculares trazem em seus textos a importância do brincar na educação infantil. No entanto, essa prática vem diminuindo nos centros educacionais brasileiros. Andrea pensa que a pressão social transformou muitas escolas.
“Em busca de alguma legitimidade e reconhecimento popular, muitas escolas vendem a ideia de que qualidade em educação é oferecer uma escola conteudista, de treinamento e competição. As escolas se transformaram em uma ‘corrida de obstáculos’, desrespeitando as crianças e seus processos, convertendo a educação infantil em um preparatório para concursos, o que vem produzindo cada vez mais estresse e adoecimento da infância”, observa a professora.
Andreia ainda compartilha relatos que ouve de outros professores, como a diminuição do tempo de recreio e proibição das brincadeiras em função do aumento do número de cópias de deveres e testes para as crianças. “Até livros didáticos para bebês de dois anos eu já vi”, avalia.
Para tentar mudar a realidade observada nas escolas, Andrea tem diversos projetos para a formação docente. O “alfabetização sem cartilhas” reúne quinzenalmente um grupo de professoras da rede pública para pensar como enfrentar os problemas mencionados. Andrea também é coordenadora do Laboratório de Brincadeiras da UFF, um espaço que recebe grupos de professores para a experimentação e a investigação a respeito da especificidade dos brinquedos e jogos na educação das crianças, refletindo sobre a relação dos pequenos com as brincadeiras e como eles constroem seus conhecimentos a partir delas. “Todos os meus projetos estão voltados para, além do subsídio teórico, oferecer alternativas práticas para atuação imediata”, conclui a professora.
Matéria que traz um tema muito importante para a nossa sociedade, parabéns pelo trabalho Júlia Cruz!