Costurando uma moda sustentável

Arte da capa por Daniele Barbosa e Josué Neves

 

Por  Júlia Cruz

 

Você sabe como são produzidas as suas roupas? Essa é uma das principais perguntas que guiam a ideia de sustentabilidade na moda, uma forma de consumo que visa minimizar o impacto ao meio ambiente. A grande produção de resíduos, os danos à natureza e a exploração da mão de obra barata são problemas na indústria têxtil que podem ser mitigados com uma produção diferenciada aliada à mudança na mentalidade da sociedade.

O modo de consumo atual é impulsionado principalmente pelo fast fashion, ou moda rápida, que são empresas que priorizam a velocidade na confecção de novas coleções de roupas a preços mais acessíveis. Para manter o custo baixo, muitas peças fast fashion são feitas com poliéster, uma fibra sintética barata, cuja matéria-prima é o petróleo e que leva aproximadamente 200 anos para se decompor. Além disso, o poliéster e outras fibras sintéticas, como a viscose, necessitam de uma grande quantidade de produtos químicos na confecção.

A consequência da velocidade de produção do fast fashion é o consumismo acelerado, que produz ainda mais lixo. Também há uma diminuição do tempo em que as roupas são utilizadas, pois, mesmo que ainda conservadas, o consumidor tende a descartar a peça por não estar mais “na moda”.

De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), são produzidas 170 toneladas de resíduos têxteis por ano no Brasil. Desse total, 80% são descartados de maneira indevida, acabando incinerados em aterros sanitários ou no meio ambiente.

 

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No Deserto do Atacama, no Chile, ocorre o descarte de roupas oriundas de locais como a Europa, Ásia e Estados Unidos. Foto: Nicolás Vargas/BBC

 

A sustentabilidade na moda vem para frear o ritmo do fast fashion, provocando a conscientização dos consumidores na hora de adquirir novas roupas. A mensagem do momento é escolher modelos mais duráveis e atemporais, além de dar preferência a empresas que se preocupam com o tipo de material utilizado na produção e o descarte. A ressignificação do consumo pode passar ainda pelos brechós, uma forma de fazer as peças do vestuário serem reaproveitadas e a economia girar.

A professora do curso de Moda, Design e Estilismo da Universidade Federal do Piauí, Simone Ferreira define a economia circular como uma prática que prioriza a matéria-prima já existente, insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis.

Para a professora, apesar de a indústria têxtil ter um olhar voltado para a sustentabilidade desde os anos 1980, quando a ONU definiu o desenvolvimento sustentável, esse modelo de consumo ainda é um nicho de mercado e o consumidor deve ser o responsável por essa mudança, uma vez que “tem total responsabilidade naquilo que é produzido”.

 

 

Quem faz a diferença

 

O instituto Mulheres do Sul Global (MSG) foi criado em 2017 por Emanuela Farias para capacitar mulheres refugiadas, migrantes e brasileiras por meio da costura. Além de ser um projeto social, o MSG é uma fábrica-escola que pensa sustentabilidade na moda. Os tecidos usados são provenientes de doações de restos de coleções antigas de marcas conhecidas. “Do ponto de vista de uma produção responsável, eu entendia que a gente não precisava de mais produtos no mundo. E, ao mesmo tempo, estava me lançando num empreendimento de produção de peças. Então, visitei várias marcas no Rio de Janeiro para entender o que eles jogavam fora e se tinham as sobras dos tecidos da coleção passada”, explica a diretora do MSG.

 

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Bolsa produzida pelo Mulheres do Sul Global a partir de doações de sobras de tecidos. Foto: Instagram/ @mulheresdosulglobal

 

A ideia de empreender socialmente veio após uma viagem à Índia. “Foi a partir dessa experiência que ganhei uma noção muito importante sobre a minha condição de gênero. No contexto têxtil, pude presenciar uma indústria a céu aberto, onde se vê linhas de produção acontecendo na beira da estrada. Outra vivência que tive foi quando morei no monastério de monges refugiados do Tibete. Então, esses três elementos, gênero, costura e refugiados foram parte da minha experiência na Índia. E, quando eu voltei para o Rio, voltei completamente focada em fazer um trabalho nessa direção”, conta Emanuela. Por meio de uma parceria que fez com uma ONG que acolhe imigrantes e refugiados, encontrou suas primeiras costureiras, um grupo de mulheres africanas. Desde então, o MSG já capacitou mais de 300 mulheres de nove nacionalidades diferentes.

 

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Emanuela Faria, ao centro, e as primeiras costureiras do Mulheres do Sul Global. Foto: Instagram/ @mulheresdosulglobal

 

A produção de novos tecidos requer uso de água em abundância, desde o cultivo de fibras de plantas até a lavagem e tingimento. Segundo a ONU, a indústria da moda é responsável por 20% do desperdício de água no mundo. Além disso, o uso de produtos químicos pode contaminar a fonte de água, prejudicando sua qualidade e a vida aquática. O relatório do Programa da ONU para o Meio Ambiente aponta que para fazer um par de calças jeans precisa, em média, de 7,5 mil litros de água, o equivalente ao que um ser humano bebe de água em sete anos. O acesso a esse tipo de informação pode ser a chave para a conscientização e mudança de hábitos.

Até os resíduos produzidos pelo Mulheres do Sul Global tem seu destino programado para o reaproveitamento. Emanuela conta que desde o início do projeto, as modelagens foram pensadas para que tivesse o mínimo de sobras possíveis.

Novos produtos foram planejados para aproveitar os resíduos. “Primeiro nós fazemos as peças maiores e os pedaços menores são guardados. Então, fomos criando modelagens para trabalhar com as miniaturas. Por exemplo, tem um projeto de carteira que nasceu das pequenas sobras”, relata Emanuela.

 

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Carteiras produzidas a partir de miniaturas de tecido. Foto: Instagram/ @mulheresdosulglobal

 

“Mas é claro que é impossível não ter sobras. E eu acho que a responsabilidade está no que a gente faz com elas”, avalia a diretora. Emanuela continua explicando que as sobras impossíveis de serem reaproveitadas pelo MSG são acumuladas e a cada três meses são doadas para uma rede de artesãs em Engenho do Mato, Niterói. “A gente contabiliza como uma forma de dar seguimento aos tecidos”, pensa.

A professora Simone Ferreira destaca que os resíduos das roupas já finalizadas são os mais críticos, pois possuem aviamentos, como zippers, botões e ilhoses. “Quando não pode mais ser reciclado ou reutilizado, o resíduo deve ser descartado de maneira apropriada”, indica Simone.

 

Sustentabilidade na alta costura

 

O estilista Guilherme Tavares trabalha com moda há mais de 25 anos. Ele já era um nome conhecido dos famosos quando decidiu focar em moda sustentável, em 2007, inspirado por sua participação na exposição “Natureza Viva”, junto ao fotógrafo Fernando Torquatto e a designer de joias Emar Batalha. Desde então, Guilherme utiliza elementos inusitados respeitando a silhueta feminina, criando uma moda que vai quase literalmente do lixo ao luxo. Para o estilista, sacos plásticos e garrafas pet podem virar vestidos de alta costura.

 

A apresentadora Eliana, a cantora Preta Gil e a atriz Taís Araújo usando peças feitas de materiais recicláveis criadas por Guilherme Tavares.

 

Guilherme lembra que a indústria têxtil é a segunda maior poluidora do mundo. Por isso, é favorável a mudanças imediatas. “Não temos tempo a perder”, exclama o estilista, que ainda aconselha a novos integrantes do mundo da moda a “se permitirem transformar o mundo e as pessoas com amor e respeito à natureza”.

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Vestido da coleção de Guilherme Tavares feito com tampinhas de garrafas. Foto: Anderson Borde

One Reply to “Costurando uma moda sustentável”

  1. Mais um tema de muita importância abordado de forma leve e informativa, com opiniões de especialistas no assunto e enredo muito bem montado. A jornalista Júlia Cruz traz informações muito pertinentes e relevantes que provocam uma reflexão em como vemos a modo no nosso dia a dia, parabéns pelo trabalho!

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