Dona Maria do Céu leva todo domingo saúde e qualidade de vida para a Feira da Roça, em Vargem Grande, Zona Oeste do Rio, que acontece perto da sua casa. Lá, ela planta ervas, frutas, hortaliças e ainda sobra espaço para um galinheiro. Na sua banca tem legumes e verduras agroecológicas, ovos orgânicos e o principal atrativo: sucos naturais feitos com as frutas que ela mesma planta no seu quintal. Para Dona Maria, a bebida tem propriedades medicinais, com efeito anti-inflamatório, além de uma ótima fonte de energia.
A escolha por uma alimentação saudável não é uma decisão simples. Depende do investimento de tempo e dinheiro. E quando discutimos o assunto, não podemos deixar de falar de segurança alimentar, o que demanda conhecer a origem dos alimentos que são consumidos. Chegar até a barraquinha de uma produtora, como a Dona Maria, pode parecer uma realidade distante para quem vive na cidade, mas a agroecologia familiar urbana é a prova de que ninguém está assim tão longe do cultivo da alface da sua salada.
O consumo de orgânicos e a busca por uma alimentação saudável vêm crescendo junto com o debate de pautas ambientais e escolhas menos agressivas ao meio ambiente. Embarcando nessa onda, Carolina Rocha faz sua parte e atende cerca de cinquenta pessoas com seu trabalho. Ela realiza entrega de cestas orgânicas de famílias produtoras de Vargem Grande. Trabalhando em parceria com esses agricultores, Carolina entrega as verduras ao consumidor por um preço mais acessível em comparação ao mercado tradicional. Além disso, é um alimento considerado de melhor qualidade. Afinal, a agroecologia oferece um produto livre de agrotóxicos e sem gerar danos à saúde do consumidor e nem a terra.
O grande diferencial da produção agroecológica é o envolvimento político, como esclareceu Ana Carolina Barbosa, engenheira ambiental e cliente da Carolina Rocha. “Tanto os orgânicos como os agroecológicos têm base nas técnicas sustentáveis de produção, como adubação verde e o não uso de químicos sintéticos ou alimentos geneticamente modificados. Porém, os agroecológicos representam uma resistência da agricultura familiar, pois são produzidos por pequenos produtores e suas famílias, que visam a sustentabilidade ecológica e ética”, explicou. É o caso de Seu Francisco, que há 45 anos também produz em Vargem Grande, na região do Parque Estadual da Pedra Branca. Sua produção é realizada sem utilização de fertilizantes e agrotóxicos e, além disso, é sustentável em todas as etapas.
Francisco é engajado no debate da segurança alimentar e entende que o seu cultivo é também um ato político. Em sua terra ele produz alimentos limpos, sem causar danos ao ecossistema. Logo, seu trabalho não se limita à agricultura por si só, mas também envolve a preservação ambiental e a produção consciente. Seu Francisco e sua esposa, Dona Angélica, administram sozinhos todo processo de cultivo, escoamento e venda. Para suprir o que eles não conseguem plantar, também compram produtos de São Paulo e do Espírito Santo, pois ainda não há uma central distribuidora de orgânicos no estado. Dessa forma, eles podem garantir variedade no que é ofertado e estabelecer um bom fluxo de vendas. Mas a meta, contou, “é aumentar a produção na horta para não precisar mais revender”.
A partir de um levantamento do IBGE, o Censo Agropecuário calculou que mais da metade das propriedades rurais brasileiras são ocupadas pela agricultura familiar, portanto, são as mãos de pequenos produtores como Seu Francisco e Dona Maria do Céu que alimentam grande parte do estado.
Apesar da importância para o abastecimento, agricultores familiares ainda enfrentam muitos desafios para desempenhar seu trabalho e se colocar de forma competitiva no mercado. A situação se torna ainda mais complicada quando se trata dos agricultores da cidade, que vêm sendo engolidos pelo desenvolvimento urbano desenfreado. “Para nós, isso aqui é zona rural, para a prefeitura é urbana, mas na realidade isso aqui sempre foi zona rural”, contou Francisco. Nesse impasse, os agricultores acabam recebendo pouca assistência na produção. Ana Carolina explicou que o problema da agricultura familiar urbana é a falta de sua certificação e identificação como agricultura em si. “Quando o produtor é certificado e cadastrado como agricultor, ele se torna beneficiário de políticas públicas, como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura) e tem a possibilidade de obter crédito rural para investimento”, explicou a engenheira.
Além disso, as famílias daquela região também enfrentam dificuldades com a regularização dos terrenos, “desde as sesmarias”, contou Seu Francisco. Ele frisou a importância de regulamentar aquele espaço até mesmo como forma de preservação do Parque. “Pode ter certeza, onde tem um grande problema ambiental, tem um grande problema social”, ele afirma.
A agroecologia é uma proposta de cultivo sustentável. Pautando-se em práticas ancestrais e recorrendo às heranças indígenas, a ciência utiliza as propriedades da natureza, que funcionam por si só, sem precisar da interferência de químicos. “Onde tem espaço está plantado”, contou Dona Maria, que assim como Seu Francisco, cultiva no formato de agrofloresta, que combina o cultivo de frutíferos, hortaliças leguminosas, ervas e até plantas ornamentais no mesmo espaço. Assim, o solo fica coberto de vegetação, impossibilitando o contágio de pragas e a terra não desgasta, nem perde os nutrientes, graças ao constante rodízio de espécies. Esse sistema de plantio é uma forma de combater mudanças climáticas e garantir a preservação de espaços.
“A terra devolve o que a gente dá”, é o lema da Dona Maria do Céu, que deu continuidade ao trabalho de seu pai e sempre viveu da agricultura. Hoje, aos seus 70 anos, já não pode plantar na roça como antes, devido às complicações de saúde, mas faz o que pode para estar conectada com a terra. Inclusive quando está doente, o primeiro lugar ao qual recorre é o seu quintal. “Os alimentos têm poder de fornecer cura e saúde”, salienta a agricultora. Ela contou que faz chás com produtos como urucum e graviola para controlar sua pressão alta e diabetes e só precisa fazer uso de remédios em períodos específicos.
É essa relação com a terra que fez Ana Carolina optar pelos agroecológicos há cerca de um ano. A engenheira assegurou que, apesar da dificuldade de encontrar esses produtos no mercado tradicional, vale a pena fazer o esforço quando se tem em mente a segurança alimentar e a escolha por melhores formas de consumo. E uma solução que ela encontrou foi encomendar as cestas orgânicas. “A facilidade de ter o produto direto na minha casa e sem o gasto de tempo que eu teria normalmente me ganhou. Além disso, quando eu recebi a tabela de preços fui logo comparar com os mercados comuns e o chocante era ver que os preços dos orgânicos da Carol eram equivalentes aos comuns do mercado!”, exclamou ela.
A vantagem de comprar diretamente com os agricultores é que, quanto mais próximo da plantação, mais barato fica o produto para o consumidor final, já que a distribuição ainda é realizada de uma forma rudimentar, conforme explica Seu Francisco. Segundo ele, o primeiro transporte é feito com burros e um carro apenas.
“Queremos investir na produção para que mais pessoas de outras classes sociais possam consumir produtos limpos. Isso não pode ser uma exclusividade para quem tem grana”, ressaltou Seu Francisco. É aí que está a importância política da agroecologia, os agricultores estão comprometidos, apesar dos desafios do mercado, de entregarem alimentos limpos para cada vez mais pessoas. Ana Carolina argumentou que a demanda por este tipo de alimento cresceu e sua expansão no mercado também depende da atitude do consumidor. “Quando nós, consumidores, adotarmos uma postura mais consciente e demandarmos produtos mais seguros e de qualidade, o mercado irá ter que se adaptar”, afirmou a engenheira, que vê na agroecologia uma forma de cuidar da saúde e fazer uma escolha consciente para o meio ambiente.