Africanos formarão a maior população de faltantes do português até 2100 - Jefferson Araújo

África lusófona

Arte da capa por Jefferson Araújo

Por Luiz Augusto Erthal

Com cerca de 280 milhões de falantes atualmente em todo o mundo, a língua portuguesa, cujo Dia Mundial foi comemorado em 5 de maio, deve ser até o final deste século o idioma de quase meio brilhão de pessoas espalhadas pelos cinco continentes. Segundo a ONU, ela está entre as três línguas que mais se expandem no planeta, onde já é a quarta mais falada – atrás do mandarim, do inglês e do espanhol – e a quinta mais usada na internet.

As projeções demográficas, porém, apontam algumas surpresas para as próximas décadas. O idioma, que foi de Camões, hoje é de Chico Buarque, mas amanhã será de Mia Couto, numa definição feita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, para representar a dinâmica geográfica desenvolvida pelo português ao longo dos tempos. Antes só era falada em Portugal; hoje a maior concentração de falantes está no Brasil e ainda neste século serão os africanos que mais dominarão a língua.

“Começou por ser europeia, a língua de Camões. Depois, passou a ser brasileira. A língua portuguesa hoje é, sobretudo, uma língua brasileira. É a língua do Chico Buarque ou da Clarice Lispector. E, ao longo deste século, vai passar a ser uma língua africana. Uma língua de angolanos, moçambicanos, a língua de Mia Couto, a língua do Luandino Vieira ou do Pepetela. É uma língua extremamente dinâmica”, pontuou o dirigente português.

Atualmente, de cada quatro falantes do português, três são brasileiros – mais de 210 milhões. No entanto, as projeções indicam que, com o envelhecimento previsto da população brasileira e a explosão demográfica prometida por Angola e Moçambique – que hoje somam mais de 60 milhões de habitantes – até 2100 haverá, segundo o Novo Atlas da Língua Portuguesa, 487 milhões de pessoas que terão o português como língua materna, das quais a maioria será de africanos.

O primeiro salto já deve se dar até 2050, quando o número de falantes do idioma, de acordo com a publicação produzida pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), chegará a 387 milhões – 100 milhões a mais do que hoje. No Hemisfério Sul, onde se situam Brasil, Angola e Moçambique, os três países lusófonos mais populosos, o português já é a língua mais falada do mundo.

A importância do português como língua internacional, falada em todas as regiões do planeta, cresce a cada dia. A comemoração do Dia Mundial da Língua Portuguesa realizada no início de maio, na Organização Mundial das Nações Unidas – entidade que tem atualmente como secretário-geral o português António Gutérrez -, dava provas disso, com a presença de representantes de todos os 193 países que integram a ONU.

“Se hojea nossa língua tem um considerável valor estratégico, geopolítico, econômico e cultgural, essas projeções de crescimento permitem prever um futuro auspicioso para o nosso idioma comum nas próximas gerações”, disse, durante a celebração, o secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Francisco Ribeiro Telles.

Telles ofereceu, como prova de prestígio, a própria proclamação da comemoração global do português, adotada em 2019 sob proposta dos estados-membros do bloco lusófono: são Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Além de ser língua materna nesses países, o português também é falado por milhões de falantes em países como Estados Unidos, França e África do Sul, que concentram grandes diásporas lusófonas. Segundo o Instituto Camões e o Instituto Português no Oriente, o interesse pelo aprendizado do idioma na China, principalmente na Região Administrativa Especial de Macau, tem aumentado.

O interesse pela língua no antigo território asiático português está muito ligado aos interesses comerciais da China com o Fórum Macau, uma plataforma de cooperação econômica com os países de língua portuguesa, que foi fundada em 2003 pelo governo chinês.

O interesse crescente pelo idioma português também foi apontado pelo chanceler Augusto Santos Silva, que deu três exemplos recentes da expansão da língua no mundo:

“Primeiro, o sucesso que foi, em 2019, o início de aulas de português na Escola de Línguas das Nações Unidas, com patrocínio luso-brasileiro. Segundo, o fato da criação da primeira escola bilíngue em português e inglês, em Londres. Terceiro, um protocolo que firmamos com a Universidade de Sevilha, na Espanha, para ensino da língua portuguesa.”

 

 

Língua global

As caravelas portuguesas levaram o idioma para todos os continentes. O português hoje é a língua oficial de Brasil (América), Portugal (Europa), Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique (África), na região administrativa especial chinesa de Macau (Ásia) e em Timor Leste (Oceania).

 

 

Unicef alerta para desastre econômico e social no continente

As projeções demográficas que indicam o crescimento do número de falantes do português também indicam que em 2100 metade das crianças do mundo viverá na África, o que pode representam um “desastre social e econômico”, segundo alerta do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Contribuirão para essa explosão demográfica a alta taxa de fecundidade e a diminuição da mortalidade infantil.

No entanto, o desafio para atender as demandas do crescimento populacional são imensas. Segundo o Unicef, serão necessários, até 2030, mais 4,2 milhões de profissionais da área de saúde e 4,5 milhões de professores do ensino fundamental no continente, sob pena de haver uma migração de milhões de africanos em busca de melhores condições de vida.

“Estamos na conjuntura mais critica para as crianças na África. Se agirmos corretamente poderemos livrar milhões de pessoas da pobreza extrema e contribuir para o aumento da prosperidade, estabilidade e da paz”, alertou Leila Pakkala, diretora regional do Unicef para o Leste e o Sul da África.

De acordo com o estudo intitulado Geração 2030 África 2.0, em cerca de uma década a população com menos de 18 anos da África deveerá aumentar em 170 milhões, passando a contar 750 milhões de indivíduos. Em 2050 a população infantil africana representará 40% da mundial, quatro vezes mais do que os 10% que representava em 1950, ou seja, cem anos antes.

 

 

Uma janela para a África

Por Lívia Apa*

A língua portuguesa é uma das línguas faladas no antigo espaço colonial africano de Portugal. Uma das muitas outras. Basta sair do espaço urbano em Angola ou em Moçambique, aterrar em Bissau, na Praia ou em São Tomé para logo entender o quanto é grande a diferença e a clivagem entre os conceitos de língua oficial e língua falada. As línguas africanas bantu e os crioulos de base portuguesa (r)existem nos cinco Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e basicamente são o que a maioria das pessoas falam no seu dia a dia. Acredito que seja a partir de aqui que devemos repensar a relação com a parte africana do “edifício” lusófono, descolonizando o mais possível a ideia de uma irmandade natural construída apenas à volta do fato que todos falam a mesma língua. O que une os países de língua oficial portuguesa é a antiga relação com Portugal, outrora colonizador, mas que ainda tece parte da sua política exterior na base de um imaginário que se alarga fora dos seus confins nacionais e que vê, já não no Brasil, mas nos seus antigos ‘territórios ultramarinos’, uma espécie de sua natural expansão geográfica construída exatamente em nome de uma língua que veicula também uma perniciosa ideia de cultura comum. Uma visão deste tipo responde, porém, a uma racionalidade apenas econômica, camuflada demasiadas vezes e em demasiadas formas, por uma ostensiva saudade de um tempo que já foi e que terminou em 1974 com a Revolução dos Cravos.

 O Dia da África que se celebra no dia 25 de maio podia ser uma boa ocasião para repensar tal relação dentro do chamado espaço lusófono. Uma maior atenção para uma plena cidadania da diáspora do continente africano que escolheu viver a sua vida na antiga Metrópole, práticas de empoderamento da raiz africana da cultura nacional no Brasil, uma festa do orgulho das culturas nacionais nos PALOP, podiam ser formas de celebrar o continente africano espalhado nos países que têm o português como língua oficial e uma lusofonia onde não há donos nem centros, mas sim partes de uma comunidade unida por uma prática linguística que partilha traços comuns mas também muitas diferenças. E abrir uma janela para África.

 

*Escritora e tradutora italiana, trabalha na área dos estudos literários e culturais dos Países de Língua Oficial Portuguesa. Investigadora do Centro de Estudos sobre África Contemporânea na Universidade de Nápoles “L’Orientale”.

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